Do
livro “Loucura” – 2018
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- Em memória de Maria Rita dos Espelhos –
Todos
fogem quando ela passa louca
louca
e louca e cada vez mais louca
puxando
e arrancando seus cabelos
e
cuspindo e comendo terra e chorando
desgrenhada
e com um olhar feroz
a
dardejar um mistério enorme de dor.
A
cidade e o bairro conhecem a sua vida
desde
que um filho da puta a violentou
numa
noite chuvosa de fim de carnaval
no
turbilhão dos frevos e dos maracatus
numa
sala de espelhos onde sua imagem
ficou
presa sem poder ganhar salvação.
Todos
sabem o quanto ela é louca
louca
e louca e cada vez mais louca
apesar
de um corpo lindo e perfeito
apesar
de uma boca bela e carnuda
apesar
de uns olhos grandes e verdes
vive
envolta em um manto de insânia.
Bairros
e ruas da cidade a sabem inteira
de
olhar nos espelhos das lojas e vidraças
a
figura maltrapilha em roupas estampadas
de
vermelho sangue e do azul das lágrimas
choradas
de quando seu pai a chicoteava
ao
chegar bêbado das solidões noturnas.
Todos
fogem quando ela passa louca
louca
e louca e cada vez mais louca
puxando
e arrancando seus cabelos
rindo
e chorando sua desgraça
e
a dor de nada ser nesta vida
apenas
uma louca cada vez mais louca.
Os
espelhos e as vidraças são os amigos
da
sua loucura. O mundo zomba ao vê-la:
cabelos
desgrenhados e chorando e gritando
louca
e louca e cada vez mais louca
pela
criança nascida de seu ventre violentado
levada
no vento para algum lugar não seu.
O
mundo inteiro sabe o quanto ela é louca
louca
e louca e cada vez mais louca
apesar
de chorar infortúnios dia e noite
e
gritar por ajuda a um deus que nada faz
vendo
o mundo fugir quando ela passa louca
louca e louca e cada vez mais louca.