domingo, 7 de janeiro de 2024

GUARDANAPO (1984) - Rafael Rocha

 

Em um guardanapo de papel

escrevi um poema triste

na mesa do bar Mustang.

 

De repente, ele deixou de ser meu!

 

O vento traiçoeiro

deu para ensinar voo pelo ar

ao guardanapo de papel.

 

Quando tentei segurar o guardanapo

uma prostituta gargalhou

e um menino de rua correu atrás dele

(o poeta Marcus Antônio também).

 

O poema escrito no guardanapo de papel

sumiu para sempre no ar,

deixando no meu peito uma dor quase alegre.

 

O poema desejou ser livre!

Deve ter sido isso!

DOZE DE MARÇO - Rafael Rocha

 

Saí às ruas do Recife na luzidia semana
de um doze de março.
Dei minhas mãos a algumas mulheres
e bebi com diversos homens.
Passei pela ponte Duarte Coelho
e vi guirlandas de novas luzes
e o Capibaribe escorrendo
a gritar para o Beberibe:
- Sou o cão sem plumas de um poeta!

Dez horas da noite:
Fiquei a beber ao pé da ponte,
olhando a passagem da lua,
até quando a quietude da boemia
começou a silenciar o lugar.
A escuridão nada escondeu
a não ser alvoradas futuras
e milhares de sonhos humanos
prestes a começar outro amanhã.

Na Avenida Guararapes
os fantasmas da cidade acordaram:
Mulheres e crianças e homens da noite
no eterno lazer de labutar.
E a metrópole gritou:
- Eles querem ser notívagos livres
loucos pelo prazer de me amar!
 
Prazer de amar e viver o Recife
na luz estelar dos seus rios.
O verso se abrindo
para algum novo espaço sem fim.
Na extinta rua Formosa
onde a Boa Vista hoje tem seu lugar...
- Ah, queria pegar a maxambomba
e viajar pelos subúrbios!

O jornalista Henrique
vomitou corações coloridos
ao sair do Bar do Gordo.
Mas guardou dentro do dele
o coração de Maria Isabel
sua amada universitária.
Na Pracinha do Diário
seus camaradas
Evaldo, Gilson e Zé Carlos
olharam os passantes,
e ficaram apaixonados
pelo livro oceânico
de um escritor dos arrecifes dos navios.

No Bar Savoy
o poeta encheu o copo
e emborcou a variedade de álcool.
Olhou para o espaço:
os edifícios giravam em rodízio de festa.
De repente,
os mais antigos poetas da cidade
saíram das tumbas,
recitando versos
vindos de seus mergulhos noturnos
no histórico buraco do mar