sábado, 25 de janeiro de 2020

OLHOS ABERTOS PARA A MORTE – Rafael Rocha

Décimo-primeiro capítulo do livro homônimo lançado no ano de 2012 – Agraciado com Menção Honrosa pela Academia Pernambucana de Letras (APL) – Prêmio Vânia Souto Carvalho (2011)
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Todos os domingos, às 9 horas da manhã, o coronel Wellington Clemens, sua esposa e seu filho participavam da missa realizada na igreja da Conceição dos Militares, na Rua Nova, centro do Recife.
Após a celebração, o coronel se juntava com outros oficiais e suas famílias, rumando ao Restaurante Leite, em frente à Praça Joaquim Nabuco, onde todos se deleitavam com um excelente almoço regado a vinho, refrigerantes, cervejas e sorvetes.
O menino Fernando gostava dessas ocasiões. Sentia crescer dentro dele grande intimidade com o pai. E também uma grande necessidade de imitar o pai tanto no presente como nos futuros momentos da sua vida.
Sua primeira comunhão, ao lado de muitos meninas e meninos filhos de militares, ocorreu nessa igreja, num radiante 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do templo.
Esse dia não saiu de sua cabeça, não pela celebração da primeira comunhão em si, mas pelo fato de muitos oficiais, ainda durante o ofício religioso, terem se reunido em um dos recantos do templo, longe do altar-mor. Conversavam em voz baixa, mas pelos gestos, Fernando podia deduzir que algo de muito grave tinha acontecido.
Após a celebração, todos, como sempre, tomaram o rumo do Restaurante Leite. A agitação entre os oficiais era grande. Perspicaz, Fernando colocava seus sentidos visuais e auditivos em suspense.
Logo descobriu: o governo federal nomeara para o posto de subcomandante da Região Militar Nordestina sediada no Recife, um oficial, que, como ouvira seu pai dizer, traía todos os juramentos cristãos e democráticos. “É um comunista! Será que o presidente da República sabe disso?” “Meu caro Wellington, claro que o presidente sabe”. “Isso é um perigo! Esse homem não pode ser nosso superior!”. “Temos de nos curvar às ordens do Rio de Janeiro, coronel. Não vamos partir para a sedição”.
Notou uma raiva insana tomando conta do pai. Perdeu a alegria pela celebração da festa religiosa.
Queria saber desde já o que significava comunista.
O motivo pelo qual seu pai odiava a palavra comunista e os homens comunistas. 
Quem melhor do que seu pai para ensiná-lo nesse assunto?

PANDORA – Rafael Rocha

Do livro “Abismo das Máscaras” - 2017
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Homens há a se fazerem fortes
e diferentes de mim.
Não sou e não serei e nem pretendo
criar uma fortaleza
com versos ingênuos.

Sigo a vida como ordena o figurino:
Morrendo aos poucos!

Criei em versos os sons dos rios
desta terra recifense
com maracatus e frevos
entrando pelas portas e janelas.
Buscava alguém para dançar e cantar
a divindade de uma musa
e sempre chegava atrasado.

Outros marcavam os ritmos
muito antes de mim.

Um dia deixei de conversar comigo
e a solidão dormiu na minha cama.
Até hoje essa invasão é permanente
ainda que eu busque minha outra história
e peça clemência
às coisas que podia ter construído.

E cada baú de madeira do meu tempo
é uma caixa de Pandora!