Conto inserido
no livro ‘O Espelho da Alma Janela” ( 2009) agraciado pela Academia
Pernambucana de Letras (APL) em 1989, com o Prêmio Leda Carvalho
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Seu maior
desejo quando saiu do cinema, às 17h, foi o de beber diversos copos de cerveja.
Não estava com pressa. Sem ter mais o que fazer nessa sexta-feira, queria
curtir os últimos horários de sol, vendo os transeuntes a retornar do trabalho.
Gostava de ver/sentir os movimentos da cidade na algazarra infernal de fim de
expediente. No primeiro bar que encontrou mais ou menos vazio, ele entrou,
sentou-se e fez o pedido ao garçom.
Os olhos
ainda estavam irritados com as luzes da sala de projeção. Lembrou que tinha de
consultar o oculista. Não devia adiar mais essa decisão. Quanto ao filme,
achara bom. Era um fanático pela sétima arte e sempre sabia escolher os filmes.
Gostava de assisti-los desacompanhado, pegando a sessão no início. Atualmente,
ficava chateado e nervoso com as pessoas que iam às salas de projeção. “Uns
bárbaros! Devia existir uma lei para impedir essa corja de entrar nos cinemas.
Puta merda! Se querem fazer algazarra, por que não ficam na rua e, na pior das
hipóteses, na sala de espera?”
A garota
vendendo amendoins o interpelou quando ele estava acendendo o cigarro. Com um
aceno de mão deu a entender que não queria comprar nada. Nem sequer olhou para
ela. A pobreza existente nas ruas fazia com que ele ficasse bastante
aborrecido. Por que isso? Como não tinha consigo a solução para um problema
assim, melhor deixar a vida seguir o seu curso.
Ao sorver o
terceiro gole da cerveja, a garota o interpelou outra vez: “Moço, compra um!
Compra?” Ficou chateado. A menina o olhava fixamente. Nem triste, nem alegre,
nem coisa nenhuma esse olhar. Não cedeu. Repeliu a oferta com um gesto de
enfado. A garota o cutucou no ombro, insistente. “Compra, moço. Compra um só,
moço”.
“É teimosa”,
pensou. O garçom apareceu e com um safanão espantou a pequena vendedora de
amendoins. “Não incomode o rapaz, sua vagabunda!” No olhar da menina o
desapontamento. Ele procurou não fitá-la. Desviou a vista para uma minissaia
amarela cobrindo/descobrindo um par de coxas roliças transitando do outro lado
do bar. Sentiu o perfume da mulher. Dentro de si o excitamento do macho. Ainda
escutou a garota pedir, lacrimosa: ‘Por favor, moço. Compra um!”
Começou a
recordar as coisas que tinha feito durante o dia. No trabalho a discussão com o
chefe do escritório por causa de um pequeno erro na contabilidade, facilmente
consertável. A primeira cerveja acabara. Pediu outra e, enquanto esperava,
acendeu mais um cigarro. Um pouco distante, a menina dos amendoins continuava
seu trabalho junto aos outros ocupantes do bar. Alguns compravam, outros não.
Ele viu um homem, aparência acima de sessenta anos, comprar dois sacos e, nos
breves instantes em que a menina contava o dinheiro recebido, ele ficava
bolinando, com os dedos se infiltrando por baixo da saia puída e curta. Ela não
ligava. Demorava na contagem do dinheiro. O homem falou qualquer coisa ao pé de
seu ouvido. Ela balançou a cabeça negativamente. Ele trancou a cara e, em um
gesto estúpido, a empurrou para longe.
O garçom
trouxe a segunda cerveja e encheu o copo. “O senhor viu a coisa?”, perguntou
baixinho. “Ela é assim mesmo, sabe? Tem apenas 13 anos, mas entende muito bem o
que esses tarados querem”. Ele olhou o garçom sem sorrir e este, ao ver que seu
palpite não tinha agradado ao freguês, também fechou a cara e foi atender a
outro cliente. Voltando o olhar para a direita viu a minissaia amarela sobre as
coxas roliças. Levantou a vista e seus olhos encontraram a fisionomia cansada
de uma prostituta bebendo com um velhote. Tentou criar para si próprio uma
digressão filosófica sobre a vida e viu que em um ambiente assim isso não era
possível. Deu uma longa tragada no cigarro e depois bebeu um grande gole de
cerveja.
“Compra um
saquinho, moço?..” A menina estava outra vez a seu lado, aproveitando que o
garçom atendia na outra extremidade do bar. Ele olhou para ela. “Compra, moço?”
No sorriso alguma coisa indefinida e implícita tentava fazer com que ele se
imiscuísse no mistério. Olhou mais detidamente para ela. O vestidinho - curto e
roto - cobria um corpinho já bem torneado de menina-moça. Os dois seios
pequenos com os mamilos grossos apontando, endurecidos, sob o tecido barato.
Ela marcava seu olhar como acreditando que agora ia fazer negócio. Pegou dois
saquinhos de amendoins e colocou sobre a mesa. “Depois eu volto pra pegar o
dinheiro”. Escapuliu, logo em seguida, ao ver o garçom se aproximando.
“Saia daqui!
Já falei para não incomodar o rapaz!” Ele fez um gesto para o garçom. “Não faz
mal. Ela não está incomodando. Deixa...” O homem olhou para ele. Virou o rosto
mostrando seu péssimo humor, para depois voltar a olhá-lo de novo. Sorriu
irônico como a querer dizer que compreendia. “Sei... Sei... Tá certo”.
“Mas que
diabo esse filho da puta está imaginando?” Será que me acha igual aos outros?
Esse mundo é um inferno. Não tem jeito. Tudo na base da safadeza. Merda!”
Pensou em sair dali. Bastava pagar a conta. A cidade tem muitos bares e ele não
precisava se preocupar em ficar nesse. Ia pedir a despesa, quando a menina
apareceu outra vez. “Vai comprar, não vai, moço?”Ele resolveu satisfazê-la.
Colocou a mão no bolso, retirou a carteira e procurou ver se no meio de todas
aquelas notas de elevado valor tinha algum trocado. Sentiu a carne macia de uma
das coxas da menina roçando no tecido de sua calça jeans. O bico de um dos
seios dela se apertando contra seu ombro. “O moço é bonito. Vai comprar, não
vai?”Olhou para ela bem dentro dos olhos. Estava quase colada nele. Sentiu como
ela pressionava o ventre contra seu joelho. Olhou para os lados. Ninguém estava
a observá-lo. Nem o garçom por perto. A garota sorria abertamente.
Entregou o
dinheiro em moedas. Ela as pegou e começou a contá-las. O vestido curto
cobrindo os joelhos dele. Uma saliva quente em sua boca. Libido a se excitar.
Deixou os dedos deslizarem pela carne macia da coxa direita dela. Subiu com
eles até alcançar carne úmida. Completamente eriçado de desejo começou a
acariciar suavemente a pele macia por baixo da saia, entre as coxas. Sentiu o
sexo dela umedecido a se retrair e depois deixar que seus dedos seguissem
adiante. “O moço também quer isso? Quer também?” A voz tinha saído baixinha,
bem no pé do seu ouvido. Retirou a mão. Olhou outra vez em volta. Com a chegada
da noite e as poucas luzes iluminando o bar, ninguém estava observando. “Será
mesmo que não viram nada?”, se inquiriu, temeroso.
“Moço, vou
até aquela praça. Você vai?” Ela disse isso muito séria. Ele a observou. Os
olhos dela nos dele mostravam um interesse fora do comum. Um sorriso. “Prometo
que vai ser bom”. Quase um sussurro o convite. Ficou observando a menina se
afastar. Olhou para os dedos de sua mão direita, ainda úmidos da reentrância
dela. Levou os dedos ao nariz e cheirou devagar, um por um. O odor suave da
ninfeta envolveu seus sentidos de homem adulto. “Porra! Posso fazer isso? Posso
mesmo fazer isso?”
Como ele
podia responder a sim mesmo? Resolveu sair daquele lugar. O que tinha a fazer
ali? Principalmente, agora, vitimado por essa febre ardente, a roer suas
entranhas. “Puta merda! É cada uma que me aparece!” Chamou o garçom e pagou a
despesa. A mulher de minissaia amarela ainda estava sentada junto ao velhote.
Ele agarrava sua bochecha e a lambuzava de beijos e lambidas. Pôde ver a
dentadura postiça da mulher caindo dentro do copo de cerveja. Risadas obscenas
depois disso.
Saiu
caminhando pela avenida. Sua carne estava como a queimar em brasas. A cabeça
latejando vítima de um desejo infernal. Tentou por todos os meios possíveis
viajar o pensamento no filme a que tinha assistido. Conseguiu apenas tornar
mais latente o desejo.
Quando menos
esperava, se viu na praça que a menina dos amendoins indicara. Na penumbra de
início da noite pôde ver a garota encostada num dos pés de flamboyant, o saco
de amendoins no chão de terra. Ela sorria para ele. Sorriu também. Aproximou-se.
Sentou a seu lado. A pequenina mão dela deslizou para dentro de sua calça. Os
dedos dele começaram a acariciar os pequenos seios.
De
repente, o seguraram por trás. Uma navalha encostada firmemente em seu pescoço.
Três meninos começaram a esvaziar os seus bolsos. Jogaram ele no chão e o
obrigaram a ficar deitado. “No bolso de trás! No bolso de trás!”, escutou a
garota falar rápido. Tentou reagir contra seus pequenos captores. Sentiu o fio
afiado da navalha rasgando sua garganta. Depois, entre as costelas. Arregalou
os olhos ao ver a menina dos amendoins levantando contra ele algo parecido com
um cano de ferro. A pancada na cabeça não trouxe, como ele imaginou na ocasião,
uma dor muito lancinante. Foi mais como se estivesse mergulhando em um
precipício sem fundo. Uma luz. Muitas luzes. Depois, a escuridão.