quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

INCITAÇÃO – Rafael Rocha

Do livro “Loucura” – 2018
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O antigo sonho de paixão seja lembrado
antes de o barco de Caronte aportar no cais.
(Ainda não tenho a moeda da passagem!)
(Apenas recordações várias e sofríveis!)
Lembro como ofertei paixão à vida inteira
e criei penhor em corações rudes e frios
fundando vilas e cidades dentro das carnes.

Celebraram tudo isso como utopia!
Uma ilha fantástica sem realidades
quando eu acreditava no veraz da vida!
Pena que as casas sejam de pensamentos
mesmo sabendo caber no interior de todas
um mundo intenso e lúdico e infinito!
Pena que os alicerces sejam de ilusões!

Antes de o barco de Caronte
aportar no cais:
- Apareça, amor, apareça! -
Diga se eu tive ou não razão em sonhar!

Toda a loucura eu abriguei em devaneios
como se eles fossem cidadelas invictas
criadas por palavras e letras fantásticas
até que os ventos maléficos deram-se a uivar
tentando destruir meus gestos indomáveis.
(Tudo aquilo que me fez viver/sonhar!)
(Tudo aquilo que me levou a ser poeta!)
Ainda hoje esses ventos furiosos renascem
loucos, enraivecidos e prontos
para derrubar minhas frágeis casas.

Eles chegam com ares de psicopatas!
Sopram e derrubam as folhas do arvoredo!
Destroem tudo de humano e de paixão!
Até que do meu cantar sobra uma réstia
pelas ruas vazias das vilas e das cidades
onde eu tentava acreditar na incitação
de um poema e da metáfora desse poema.

Antes de o barco de Caronte aportar no cais
desejo caber inteiro na liquidez das palavras
como sendo um imenso lago ou oceano
ou o grandioso estuário de vários rios.
(Como sendo um H2O inimigo do Sol!)
Pecador sem arrependimentos!
Um homem simples na busca do sonho real
mais eternidade que esta curta vida!

Antes de o barco de Caronte
aportar no cais:
- Apareça, amor, apareça! -
Diga se eu tive ou não razão em sonhar!

ÚNICO CAMINHO – Rafael Rocha

Do livro “Farol” – 2019
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Não abro dedos e mãos a favor da mentira.
                            Sou único como todas
         as coisas reais do mundo.
                                      Tenho meus poemas!
Eles habitam meus pesadelos
                 (bons ou ruins)
vivem em sintonia comigo
         como uma cerveja gelada
ou como a fumaça dos meus cigarros.

Às vezes
(sempre às vezes)
o mau-humor ataca meus neurônios
e o medo bate nas minhas janelas
quando vejo criaturas idiotas
                  (mortos vivos)
cantando salmos inconsistentes a um deus.

       Mas as coisas são como são!
Nascer, crescer, adoecer, envelhecer, morrer...
                      Acreditem:
Não existe paraíso nem umbral!
Existem vermes e decomposição!
                     Acreditem:
Todos estão abandonados à própria sorte!
Mitos? Messias?
Essa piada é antiga!
Só existe um caminho para todos os humanos:
Morrer!