Nono capítulo do
romance lançado no ano de 2002
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Ainda
o diário...
Decorria o ano de 1940 quando
Maria Rosa, Eliete e Marieta chegaram ao Recife depois de uma viagem cheia de
peripécias. Saíram da povoação de Carnaíba, sertão do Pajeú, no limiar do mês
de março, chegando à capital pernambucana nos fins de abril desse ano. Era
noite quando seus corpos cansados alcançaram as margens do rio Capibaribe,
pelos lados do cais da Alfândega. Cansadas, quase maltrapilhas, ao verem as
luzes da cidade e as águas escuras do rio, sentiram-se refeitas de todos os
dissabores da longa caminhada.
Não vale a pena assinalar aqui os
malabarismos feitos pelas três mulheres na viagem para alcançar o objetivo.
Na primeira noite nas ruas da
capital, tentaram um abrigo nas inúmeras construções espalhadas pelo cais.
No entanto, como já era bastante
tarde não tiveram sucesso. Ao pé de duas frondosas árvores, às margens do rio,
adormeceram.
No início da manhã, os raios
mornos do sol e a forte brisa soprada do mar despertaram as três mulheres quase
ao mesmo tempo. Ainda não conseguiam acreditar que tinham chegado ao fim da
jornada.
Ao se darem conta disso, riram,
abraçaram-se, beijaram-se e fizeram juras de buscar um encaminhamento para suas
vidas.
Naqueles tempos, a perseguição às
prostitutas estava na ordem do dia.
Era, porém, uma perseguição
mascarada pela hipocrisia e corrupção, pois quem possuía proteção de
determinados setores sociais continuava a sobreviver e a oferecer o corpo às
lubricidades e às taras dos homens. Maria Rosa, Eliete e Marieta não sabiam
nada sobre isso. E até que foram bem-sucedidas nas suas azáfamas iniciais em
busca dos homens necessitados da paixão e do sexo, ali mesmo no Cais do Porto.
Com muito pouco cuidado,
ofereceram momentos de prazer aos carregadores das docas e a alguns marujos das
embarcações ali estacionadas. Nos porões dessas embarcações, naquela manhã de
março, o Cais viveu momentos bizarros. Muitos serviços foram paralisados, pois
os desejos dos inúmeros homens pelas três jovens mulheres se espalharam pelos
quatro cantos do Bairro do Recife. Elas ganharam algum dinheiro e só então
descobriram em que rumo Deus ou o destino traçara suas vidas.
Madame Betânia L’Amour, a mais famosa e poderosa dona de pensão da zona do Bairro do Recife daqueles
tempos, tomou conhecimento da novidade, mas só encontrou as três mulheres
vendendo o corpo ao meio-dia daquela radiosa manhã de sol.
Compreendeu de imediato que
nenhuma delas sabia o quanto era perigoso fazer o trottoir no Recife sem proteção superior. Acompanhada, na ocasião da descoberta, pelo
tenente da Guarda Municipal, Godofredo Matias, um dos seus inúmeros protetores, madame Betânia aguardou a
ocasião propícia para abordar as meninas, mas isso só aconteceu quanto a tarde
levou o sol para o poente. Estava sinceramente estarrecida com a coragem delas.
− Como elas ainda não foram
presas? – perguntava.
O tenente Godofredo, ao seu lado,
tomou conhecimento da história e riu.
Ele respondeu que era apenas
questão de sorte, pois quando o capitão da Guarda começasse a fazer a
verdadeira ronda, elas iriam sentir na pele o erro cometido.
Porém, madame Betânia foi incisiva:
− Meninas de sorte assim são
difíceis de encontrar. Devem ter vindo de muito longe, mas nota-se que sabem
alguma coisa de putaria. Vou levá-las pra meu castelinho, querido Godofredo.
− Você está louca, Betânia? Já
não basta sua penca de afilhadas?
− Vou levá-las comigo! Olha para
aquela branquinha de cabelo amarelo... Que tal uma noite com ela? Você
gostaria? Seria de graça, querido amigo.
− É... É... Ela é bonita. Um tanto nova... Mas
é bonita. Está bem maltratada, não acha? Assim como tá não serve pra mim. Você
sabe, eu gosto é de mulher como você... Cheirosa... Elegante...
− Deixa de finesse, Godofredo. Eu sei muito bem do que você gosta. Sei muito
bem...
− Mas... Você quer mesmo levar
aquelas pra seu negócio? Tem certeza que...
− Você tá me dando essa certeza,
Fredinho. Tô vendo nos seus olhos o que você tá querendo. Vou levá-las, sim, e
você vai me ajudar. Pra todos os efeitos elas são minhas sobrinhas vindas do
Interior, tá? E, por outro lado, ando precisando de menininhas mais novas. As
minhas já não dão pro gasto, meu querido.
− Sempre me metendo nessas
confusões, ora, ora... O que vou dizer ao capitão da Guarda, hein?
− O de sempre, querido. O de
sempre. Diga: madame L’Amour está
sendo visitada por três novas sobrinhas. Três franguinhas lindas de morrer e
experientes como só elas e...
− E?...
− E elas sabem fazer aquilo que
ele mais gosta!
− E como você sabe, querida
amiga, se elas sabem fazer o que o capitão da Guarda gosta?
− A
você eu não posso explicar isso. Que loucura! Mas garanto a mercadoria,
Fredinho! Eu garanto a mercadoria!