terça-feira, 28 de novembro de 2023

TEMPOS SOMBRIOS - Rafael Rocha

 

do livro do mesmo nome-2020 - poema agraciado com Menção Honrosa em 2020 pela 
Academia de  Letras, Ciência e Artes de Ponte Nova (MG) - ALEPON 
Concurso Literário Prêmio Professor Mário Clímaco - 
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Nestes dias em que a vida deixa de ser vida
Época da lua cinzenta e do sol frio
Os campanários tocam dobres de finados
E pelas nuvens a funesta ceifadora
Traz para a Terra uma nova idade
Levando para os espaços do além
As amadas. Os amados. Os amigos.

Tempos sombrios!

Na atmosfera dança a enfermidade caprichosa
A entrar nas vísceras e nos pulmões humanos
Não faz escolhas de almas nem de corpos
Sejam reis, plebeus, burgueses, ricos, pobres
Leva para vaguear na terra do sem volta
Sem chances de últimos adeuses
Dona que é da noite interminável.

Tempos sombrios!

As cidades mergulham em solitários dias
Sem os comuns andarilhos machos e fêmeas
O governo maior esquece o seu povo
E mergulha enlouquecido na imbecilidade
Da ignorância e do egoísmo depravado
De quem não deseja luz no mundo
Com seus asseclas genocidas de ternos caros.

Tempos sombrios!

Homens de sabedoria escrevem palavras
Conclamando o retorno aos deuses lares
Para que um dia filhos e netos possam fitar
As faces enrugadas de seus pais e de seus avós
Segurando mãos e não santinhos fúnebres
Sem choros e sem velas e sem flores
Sem precisão das missas de sétimos dias.

Tempos sombrios!

Apavoramento em todos os quadrantes
Choro e rangeres de dentes vêm à tona
Nas covas coletivas das metrópoles
E idiotas ainda alimentam glórias
Prontos a disseminar a catástrofe na Terra
E ajudar a ceifadora funesta
A levar consigo os inocentes e os ingênuos.

Tempos sombrios! 

O planeta começa a costurar mortalhas
E os animais selvagens a habitar as ruas
Abutres voam ao rés do chão
Catando os órgãos dos corpos insepultos
A vida agora é o elogio da morte
Enquanto os crédulos rogam a um deus:
- Deixe de ser invisível! Venha nos salvar!

Tempos sombrios!

O SER DE OLINDA - Rafael Rocha

 

- do livro VIVER OLINDA E OUTROS DETALHES (2023) - 

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Sou corpo de sal e de água e de mar!

Sou corpo de terra e de sé e luar!

Sou farol! Sou tribal! Sou poeta!

Tudo porque nasci em Olinda

e meu sangue é de guerreiro caeté

com uma mistura portugaholandáfrica

quase cem por cento genético assim.


Morei longo tempo em Olinda

na velha casa de meu avô paterno

em uma praça chamada Padilha

que também era coronel Cornélio

e nesse espaço conheci uma lua diferente

e as escuras noites cheias de estrelas

sob a luz em vaivém de um farol.

 

Meu gosto de poetar vem de Olinda

ainda que o Recife tenha gerado versos

de terra e de paixões concentradas

nos seus homens e nas suas mulheres.

Vem de Olinda o hábito da insônia

de quando a primeira paixão nasceu

e de quando li os primeiros clássicos.

 

Mesmo que o Recife traga em si

o manejar da vida, em Olinda conheci

o rio Tapado e as grandes ressacas do mar.

A subida das íngremes ladeiras,

o homem da meia-noite e a mulher do dia,

e o medo do lobisomem nas noites

das esplêndidas luas cheias.

 

Fui jogador de futebol nos descampados

de areia e capim perto do rio Tapado

na praça do Padilha

que também era Cornélio

na frente da casa duzentos e vinte e dois.

Com meus irmãos e camaradas de infância

vi a menina Marilac jogando futebol,

criando paixões sempre que marcava um gol.

 

O Recife roubou de Olinda a minha vida

e me levou ao Tejipió dos avós maternos,

aumentando a força do guerreiro caeté

e o banzo portugaholandáfrica do homem.

Porque foi em Olinda que nasceu

o gosto de amar/escrever palavras

como essas que agora eu escrevo

querendo voltar logo para casa:

– A velha casa de meu avô na antiga praça

no velho bairro novo do sonho!

 

      Tudo porque nasci em Olinda

      antes de o Recife

      roubar de lá a minha vida!


ITINERÁRIO - Rafael Rocha

 


















  - do livro "Abismo das Máscaras" (2017) - 

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O tempo não tem horário

é um itinerário onde apenas há passado

coisas gastas e antigas

como o espaço onde estamos a esperar:

o último terminal.

 

O poeta aguarda ainda com esperanças

e vive entre homens e mulheres

dentro de uma abóbada vazia respeitando

o trâmite silencioso das coisas transmudadas em nada.

 

Ele é dono de tantas esperas

está aqui como criança nua

(tristemente nua)

quase no fim do itinerário

e quase a ser passado.

 

A vida ofereceu coisas para chorar

e outras pequenas para alegrá-lo

mas todo poeta tem dessas coisas

antes do esvanecimento.

 

Sobram terra e vegetais.

Sobram recordações.