quinta-feira, 30 de novembro de 2023

BAILADO - Um longo poema de vida - Rafael Rocha

 

I

introito:

 dentro das nuvens sombrias do meu astral

                           baila a minha significação

e é a minha história que os olhos veem

                       e seguem a sentir-me bailarino

                  tombando nas curvas das estradas

e pondo paisagens azuis nos momentos vazios

 

poucas pessoas seguem esse meu bailado

        nas tardes vagabundas da cidade quente

                                    e por mais que sigam

                         também têm suas obrigações

não podem tirar o peso dos meus braços

              mesmo que entendam o último verso

                    onde a dor fez da casa da alegria

                                um camarim do burlesco


assertiva:

do

alto de

um prédio de

sete pavimentos o

solo baila aos meus pés se

eu fechar os olhos criar-se-ão asas e

o solo tenderá a ser um leito sem amanhã


ÔMEGA & ALFA - CANTO 1 - Rafael Rocha

 

           :: .....(1)....de onde as ondas marítimas engravidavam areias--------

---------o Caos obrigou o poeta viajante a antecipar a sua vinda--------------

---------------expressa na luta entre a escuridão e a claridade--------------------

-------------na terra onde nasciam os rios criadores do grande oceano------

------na terra onde os pedregulhos ensanguentavam os pés-------------------

---onde os humanos ainda não sabiam serem humanos----------adorando 

santos e deuses invisíveis------------------------------------------

-------------------------

------eis o chegar do Último Homem!-----


CANTARES I - Rafael Rocha

Cheguei até este limiar cheio de mim

Profetizando a dor escondida dos homens.

E delimitando no infinito do horizonte

Marcos e marcas para todos os viajantes

E neste limiar que pretende ser eterno

Profetizo o verso ainda não posto à mesa.

(1)

O povo não é mais pescador dele mesmo.

Arrasta a maldição da dor

Devido às manipulações

De quem ocupa a tribuna

E se diz autoridade.

O povo vive de restos malditos

E nasce em berço muito pouco esplêndido.

Não pretendo atirar a primeira pedra.

Prefiro denunciar ao mundo

A ganância dos títeres.

Não pretendo aceitar

Os ditames da última era.

Debruçarei meu corpo

Nos balaústres das pontes.

Atentarei meu olhar nos rios sujos da cidade.

E tentarei falar a voz humana:

“Sou pobre, mas honesto”.

Nem mais isso os meus queridos

Devem no balcão da vida.

(2)

Hipócritas

Outros homens dizem representar o divino

 E abrem um livro dito sagrado

Para fundar igrejas

E corromper a mente dos ingênuos

Vendendo a fé como uma sopa

E a crença como um pão doce.

A justiça fica adormecida

Em seus palácios

Fazendo ouvidos moucos à pregação

Inconveniente da ideia do divino.

Eles consagram os vendilhões do templo

E beijam a moeda retirada do bolso do pobre.

Este é um novo ritual

A fazer do inalcançável a ilusão alcançada

E comprada como um sapato

Ou um trago de cachaça.

Ladrões da inocência!

A palavra dos honestos ainda irá perfurar

Seus imensos corpanzis de mentira e sujeira.

(3)

Ah, terra minha!

Ah, gente minha!

Vamos agitar nossa força nas estradas!

Vamos subir aos mais altos andares!

Vamos agarrar nossas aspirações na marra!

Túmulos não foram feitos apenas

Para quem não tem onde morrer de fome.

E a Pátria Nordeste

Ainda não foi

De todo descoberta como ela merece.

Escuta, ó gente minha!

As areias e os seixos dos rios

Ainda estarão aqui pelos próximos séculos.

E elas devem crer que nossos guerreiros

Souberam agir

Com mente firme e mão generosa.

(4)

Nem Cristo! Nem Guevara!

Nem Buda! Nem Maomé!

Nem Ocidente ou Oriente!

A salvação é criar um tempo definitivo.

Agitar! 

Lutar!

Sangrar!

Não vamos mendigar

Aos pastores da mentira

A ideia de um deus de bordel.

Para que essa cegueira?

Nós somos o Reino!

Nós somos os olhos da vida!

(5)

Meu verso está sendo posto à mesa

Às mãos dos semeadores da palavra.

Não deem as costas ao poema!

Não estilhacem o sangue do poema!

Não quero ver meus queridos agonizando

Sob a oratória dos corruptos

E dos estelionatários da fé!

(6)

Lotadas as estradas

Com a esperança e seu verde brilhante

Os homens golpearão seus inimigos

Dentro do mais curto espaço do tempo.

E meu espírito vestirá a pele dos libertos

Desvendando as traições

Dos compradores de almas.

(7)

E todos irão saber:

O Senhor da Liberdade

Respira e vive na alma do homem da terra.

Ele é forte e tem seu livro sagrado

Escrito na palma das suas mãos

E em sua pele enrugada.

Com os palácios derribados

Com os falsos senhores desgrenhados

O homem real da terra

Poderá desfrutar a vida

E aprisionar parasitas

Que de nada cuidam

Mas apenas enaltecem a cruz e a morte.

(8)

Caminhemos!

Caminhemos!

A estrada é longa!

Vamos buscar mulheres e homens!

O Senhor da Liberdade respira

E tem seu livro sagrado

Escrito na pele enrugada

Dos homens tristes e pobres.

(9)

Quando o vento nordeste varrer o semiárido

As fogueiras das vaidades

Terão de ser apagadas

Mas acender-se-ão luzes de águas.

As chuvas ficarão plantadas

Nas carnes dos guerreiros da vida

E dos livros rasgaremos as páginas

Das “histórias oficiais”

Escritas pelos opressores.

(10)

Ah, meu verso profético!

Que beleza!

Chegou para extravasar a sua ira.

Chegou para render homenagem

Ao homem da Pátria Nordeste. 

ENCÍCLICA DOS HOMENS - Rafael Rocha


1. DO SER E ESTAR

1. Cá estou nas ruas, olhando homens escravos da cruz e das orações, que seguem ordens dos representantes de um deus inexistente.

2. Cá estou nas ruas, discutindo com a poeira minha intenção de ser e de estar.

3. E vejo que moro numa babel repleta de escravos. A imundície da crença é total, e a morte é a filosofia/ideologia dessa crença.

4. Está tudo tão claro - aos olhos dos homens - de onde chegam e para onde vão essas coisas!

5. Quero fugir dessa hipocrisia de cruzes e de orações vazias e habitar lugares realistas.

6. Pelas ruas caminho lépido, ainda que tenha medo/pena de olhar mulheres, homens e os corpos famintos das crianças de rua. Também tenho pavor dos igrejeiros. Fico aterrorizado com as suas falas traiçoeiras, que tentam encarcerar meus atos de humanidade.

7. Eis, então, os homens sem compromisso humano! Por causa deles somos incapazes de defender até um mísero grão de areia. Eles sobem aos púlpitos e se fazem governo. Reduzem nossos sonhos a cinzas. E a humanidade fica ignorante, acatando as mentiras dos dogmas das igrejas e as leis dos parlamentos, criadas por uma sociedade caduca.

8. Eles são ladrões dos nossos caminhos e das nossas vidas e provocam dor e lágrimas nos lugares onde nossos pés desejam pisar.

9. Hoje estamos envolvidos pelas promessas vãs de momentos melhores e proteções “eternas e santas” em um ignoto além. Tudo mentira! Não devemos acreditar nessas invenções.

10. Prefiro a algazarra de um boteco em uma das ruas do meu bairro, cigarro numa mão, copo de cerveja em outra, escutando a canção mais antiga do mundo: aquela que traz lágrimas aos olhos. Vendo o povaréu da mais pura ignorância a zombar de mim como se eu fosse um filósofo bêbado e excêntrico.

11. Lágrimas caem de meus olhos. Ardentes! Querem ser lavas vulcânicas. Rubras. Têm voos de estrelas cadentes. Querem frutificar a terra. Querem luzificar a lua. Lágrimas lacrimais. Ardentes águas. Têm gostosas ações de sexo e de prazer na liquidez. Elas querem que os homens e as mulheres sejam mais donos de si mesmos e das suas paixões, e mergulhem de corpo e alma no viver intensamente.


ÚNICA CERTEZA - Rafael Rocha

 

  Quando eu fiz amor contigo...

  Deixa que eu explique:

  - Fazer amor é um fraseado vulgar!

  Mas teve algo de sublime

  o sentir a terra escapar dos pés.

 

  Eu passava o tempo

  beijando teu corpo,

  penetrando em teu corpo,

  gritando pelo teu nome

  esperando o gozo efêmero.

 

  Não posso explicar melhor

  a parábola desse fraseado vulgar:

  - Fazer amor contigo!

  Todavia ao mergulhar em ti

  não consegui dominar o grito

  da paixão louca a viver em  mim.

 

  Ainda assim o líquido orgástico

  a deslizar de tua reentrância

  traz a certeza de que o amor

  é a continuidade da vida humana

  nascido nas vertigens reais

  de uma deliciosa foda!


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

SOBRE O ESCRITOR, JORNALISTA E POETA RAFAEL ROCHA

 

O jornalista, escritor e poeta Rafael Rocha Neto ou Rafael Rocha é brasileiro de Pernambuco. Nasceu em Olinda/PE em 1º de Outubro de 1949, mas foi registrado na cidade do Recife/PE. Lançou seu primeiro livro “Meio a Meio” (poesias) em 1979. Em 1986, foi agraciado com Menção Honrosa pela Academia de Letras e Artes de Araguari (Minas Gerais) pelo conto “Grãos de Terra Sobre”. Em 1989, cinco contos de sua autoria foram premiados pela Fundação de Cultura do Estado de Pernambuco (Fundarpe) e lançados numa antologia intitulada “Novos Ficcionistas Pernambucanos”.

Também em 1989 foi agraciado pela Academia Pernambucana de Letras (APL) com o prêmio Leda Carvalho, pelo seu livro de contos “O Espelho da Alma Janela”. Em 2011 foi novamente laureado pela Academia Pernambucana de Letras (APL), dessa vez com Menção Honrosa, prêmio Vânia Souto Carvalho, pelo seu romance “Olhos Abertos para a Morte”.

Em 2020 foi agraciado com Menção Honrosa pela Academia de Letras, Ciência e Artes de Ponte Nova (MG) – ALEPON – no Concurso Literário Prêmio Professor Mário Clímaco, por seu poema “Tempos Sombrios”. Em 2022, ganhou o 3º lugar no XX Concurso Fritz Teixeira de Salles de Poesia, categoria Adulto, da Fundação Cultural Pascoal Andreta, Monte Sião (MG), com seu poema Noite de Bar.

O autor é filho de Irene de Almeida Rocha e Ivanildo Lins Rocha, já falecidos. Casado com Mailde Gomes da Silva Rocha, com quem tem dois filhos Rodrigo Gomes da Silva Rocha e Rafael Gomes da Silva Rocha. Como jornalista exerceu funções de repórter, copidesque, revisor, redator e analista de comunicação no Jornal do Commercio (Recife-1979), Editora Comunicarte (1981), Diario de Pernambuco (1989-2014) e Companhia Editora de Pernambuco – CEPE (2008-2013).

 

31 LIVROS PUBLICADOS

 

Meio a Meio (poesias); A Última Dama da Noite (romance); O Espelho da Alma Janela (contos); Marcos do Tempo (poesias); Olhos Abertos para a Morte (romance); Poetas da Idade Urbana (poesias em parceria com os poetas Genésio Linhares e Valdeci Ferraz); Felizes na Dor – Tributo ao poeta Charles Bukowski (poesias); Contos Delirantes com Versos em  Bolero (contos e poemas); Abismo das Máscaras (poesias); Poemas dos Anos de Chumbo (poesias); Loucura (poesias); Andanças (romance); Farol (poesias); Encíclica dos Homens Encyclicae Hominum (poesias); Tudo Pode Ser Amor (poesias); Cantares (poema); História sem Fim (romance); Poemas dos Tempos Sombrios (poesias); As Flores de Tomires (novela); A Fecundação de Aryelle e outros Contos (contos); Noturnos (poesias); Ômega & Alfa (poema); Bailado (poema); O Homem na Pedra (romance); Tique-Taques (poesia); Os Quatro Elementos (poesia); Elefantes Brancos Matam Mariposas (contos); Sensações de Inverno (poesia); Viver Olinda e Outros Detalhes (poesias); A Última Dama da Noite – 2ª Edição (romance); Meio a Meio – 2ª Edição (poesias)

FÊMEA - Rafael Rocha

 

    A mulher possui múltiplas sementes

    prontas para semear o chão do mundo.

    Imã a desequilibrar o polo magnético

    e equilibrar dentro das medidas incertas

    todos os pesos das balanças.

    Tem dentro dela o fogo, a terra, o ar e a água

    sendo filha da noite, das estrelas,

    das manhãs e das tardes claras.

 

    Mas...

 

É intrincada expressão algébrica

nunca solucionada pelos einsteins da vida.

Reflete a alma em espelhos escuros.

Nos nevoeiros e na poeira das estradas.

É a musa dramática dos poetas românticos.

A chama da guerra aos soldados no front.

É a morte à espreita em alguma esquina.

É a rotina bêbada de qualquer bukowski.


Sendo assim...

Atrai!


Sendo assim...

Seduz!


A VOLTA DOS RINOCERONTES - Rafael Rocha

 

Flores cinzentas em jardins suspensos

matam o desejo sexual dos homens.

O odor dessas flores é de enxofre

quando mulheres catalogam orgasmos

e deixam de expandir os gritos

nos lençóis das camas e travesseiros.

 

Viver está se tornando uma farsa...

 

Os rinocerontes voltam às ruas,

atropelando sem piedade os pensadores.

Os caminhos até as mulheres amadas

são fechados com cercas de ferro.

Os caminhos até as águas límpidas

são vigiados por capitães-do-mato.

 

Morrer é mais fácil do que antes...

 

Os poetas e os idealistas e os sonhadores

esperam flores coloridas nascendo livres

como novas crianças nos jardins suspensos.

A Terra-Mãe está repleta de angústias.

Os vulcões entrando em erupção.

E os rinocerontes marchando pelas ruas.

 

Permanecer humano passou a ser estranho!


LANÇAMENTO ESPECIAL DE FIM DE ANO

 

MEIO A MEIO, livro do poeta RAFAEL ROCHA, em
sua Segunda Edição, está saindo hoje da gráfica
para alegria dos leitores. Quem fez reserva antecipada
receberá o exemplar com prioridade máxima.

SANGRAMENTO DA SOLIDÃO - Rafael Rocha

 

É a verdade da solidão a doer no peito

escrevendo o verso sangrento

de fora para o interior.

É a verdade do desamor mais inquieto

querendo ser verdade áspera

de dentro para fora de mim.


Escrevo a dor da solidão atormentada.

Ainda esperando não ser preciso tê-la.

Mas a dor vem. Vem e vai. E vem

de fora para dentro

como sendo dona de meus caminhos.


Paro para olhar o cotidiano da sala

e vejo a solidão no olhar parado da mulher

sem cor e sem paixão a ver TV.

Paro para ler o jornal da manhã

e vejo a mulher sendo escrava do tempo.


Ah, nada mais tenho a perder...

A solidão tem tintas vermelhas de sangue.

Ela é uma dor a bater no ir e vir.

Se eu gritar áspero e traiçoeiro

o olhar do mundo ao redor pedirá silêncio:

- Fale baixo para ninguém reclamar!


Que ninguém! Que merda! Que nada!

É a realidade da solidão a habitar em mim!

E mesmo esperando não ser preciso

escrever e declamá-la

ela tornou-se dona de meus caminhos

de fora para dentro.

DOR DA TERRA - Rafael Rocha

 

Minha dor é a dor da terra!

Recordação do tempo insano

de quando coturnos pisavam as ruas

e baionetas ensanguentadas

mergulhavam nos corpos dos audazes.

Ah, tempos para não esquecer!...

Hoje o jovem da terra perde a memória

e volta a crer na mentira do orgasmo

nascido das estrelas assassinas

pousadas em ombros verdes olivas.

 

Meus cabelos brancos conhecem

a ira da cobiça antiga.

Sabem das crianças assassinadas!

Das mulheres violentadas!

Dos heróis nos paus-de-arara!

Hoje os jovens cortejam a astúcia

dos que ainda pretendem o trono.

Cantam loas e hinos de traição,

crendo na sensualidade canibal

dos forjadores da mentira.

 

Sim, na minha terra os imbecis

querem massacrar o lume da vitória,

cortar as asas dos pássaros

e silenciar o brado retumbante

a viver em seu intenso verde amarelo.

Minha dor é a dor da terra

sendo estuprada/violentada!

A casa grande acende suas luzes

e nas senzalas o homem livre

acorrenta-se outra vez.


NOITE DE BAR - Rafael Rocha

 

- do livro "MARCOS DO TEMPO": poema agraciado com o 3° lugar
no XX Concurso Literário Fritz Teixeira de Salles, de poesia, ano 2022, 
da Fundação Cultural Pascoal Andreta, Monte Sião (MG)
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Noite vazia em vertigem tão calada.
Mesa de bar sem um só companheiro. 
Faço o soneto da tristeza descarada
sob um gole de cerveja derradeiro.

Diz o garçom: - Esta vida é um nada!
Sem bebida, sem mulher, sem dinheiro!
E as cinzas da solidão descontrolada
fazem o cigarro apagar-se no cinzeiro!

Meia-noite! Quero beber sofregamente!
Quero escrever o verso condizente
com a dor desta maciça solidão!

E o dia nasce! E o bar fecha a porta!
O sol escala o céu e a noite morta
marca encontro com o sono lá no chão!

terça-feira, 28 de novembro de 2023

TEMPOS SOMBRIOS - Rafael Rocha

 

do livro do mesmo nome-2020 - poema agraciado com Menção Honrosa em 2020 pela 
Academia de  Letras, Ciência e Artes de Ponte Nova (MG) - ALEPON 
Concurso Literário Prêmio Professor Mário Clímaco - 
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Nestes dias em que a vida deixa de ser vida
Época da lua cinzenta e do sol frio
Os campanários tocam dobres de finados
E pelas nuvens a funesta ceifadora
Traz para a Terra uma nova idade
Levando para os espaços do além
As amadas. Os amados. Os amigos.

Tempos sombrios!

Na atmosfera dança a enfermidade caprichosa
A entrar nas vísceras e nos pulmões humanos
Não faz escolhas de almas nem de corpos
Sejam reis, plebeus, burgueses, ricos, pobres
Leva para vaguear na terra do sem volta
Sem chances de últimos adeuses
Dona que é da noite interminável.

Tempos sombrios!

As cidades mergulham em solitários dias
Sem os comuns andarilhos machos e fêmeas
O governo maior esquece o seu povo
E mergulha enlouquecido na imbecilidade
Da ignorância e do egoísmo depravado
De quem não deseja luz no mundo
Com seus asseclas genocidas de ternos caros.

Tempos sombrios!

Homens de sabedoria escrevem palavras
Conclamando o retorno aos deuses lares
Para que um dia filhos e netos possam fitar
As faces enrugadas de seus pais e de seus avós
Segurando mãos e não santinhos fúnebres
Sem choros e sem velas e sem flores
Sem precisão das missas de sétimos dias.

Tempos sombrios!

Apavoramento em todos os quadrantes
Choro e rangeres de dentes vêm à tona
Nas covas coletivas das metrópoles
E idiotas ainda alimentam glórias
Prontos a disseminar a catástrofe na Terra
E ajudar a ceifadora funesta
A levar consigo os inocentes e os ingênuos.

Tempos sombrios! 

O planeta começa a costurar mortalhas
E os animais selvagens a habitar as ruas
Abutres voam ao rés do chão
Catando os órgãos dos corpos insepultos
A vida agora é o elogio da morte
Enquanto os crédulos rogam a um deus:
- Deixe de ser invisível! Venha nos salvar!

Tempos sombrios!

O SER DE OLINDA - Rafael Rocha

 

- do livro VIVER OLINDA E OUTROS DETALHES (2023) - 

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Sou corpo de sal e de água e de mar!

Sou corpo de terra e de sé e luar!

Sou farol! Sou tribal! Sou poeta!

Tudo porque nasci em Olinda

e meu sangue é de guerreiro caeté

com uma mistura portugaholandáfrica

quase cem por cento genético assim.


Morei longo tempo em Olinda

na velha casa de meu avô paterno

em uma praça chamada Padilha

que também era coronel Cornélio

e nesse espaço conheci uma lua diferente

e as escuras noites cheias de estrelas

sob a luz em vaivém de um farol.

 

Meu gosto de poetar vem de Olinda

ainda que o Recife tenha gerado versos

de terra e de paixões concentradas

nos seus homens e nas suas mulheres.

Vem de Olinda o hábito da insônia

de quando a primeira paixão nasceu

e de quando li os primeiros clássicos.

 

Mesmo que o Recife traga em si

o manejar da vida, em Olinda conheci

o rio Tapado e as grandes ressacas do mar.

A subida das íngremes ladeiras,

o homem da meia-noite e a mulher do dia,

e o medo do lobisomem nas noites

das esplêndidas luas cheias.

 

Fui jogador de futebol nos descampados

de areia e capim perto do rio Tapado

na praça do Padilha

que também era Cornélio

na frente da casa duzentos e vinte e dois.

Com meus irmãos e camaradas de infância

vi a menina Marilac jogando futebol,

criando paixões sempre que marcava um gol.

 

O Recife roubou de Olinda a minha vida

e me levou ao Tejipió dos avós maternos,

aumentando a força do guerreiro caeté

e o banzo portugaholandáfrica do homem.

Porque foi em Olinda que nasceu

o gosto de amar/escrever palavras

como essas que agora eu escrevo

querendo voltar logo para casa:

– A velha casa de meu avô na antiga praça

no velho bairro novo do sonho!

 

      Tudo porque nasci em Olinda

      antes de o Recife

      roubar de lá a minha vida!