terça-feira, 19 de novembro de 2019

EPIGONIA (1968) – Rafael Rocha

Do livro “Poemas dos Anos de Chumbo” – 2017
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O tempo continua escuro e perigoso.
As luzes das ruas estão estranhas
iluminando labirintos.
As histórias dos homens estão mutiladas.
As janelas das casas fecham-se aos curiosos.
As paredes escondem segredos malignos.

A verdade desconhece as palavras
e todas as suas onomatopeias
(o tempo é perigoso para defini-las).
Os poetas estão confusos nas sombras.
Devagar os malignos tomam conta do alfabeto.
Ciladas e embustes são criados
para submeter a raça humana aos lobos.

Enquanto abismos estão à espera dos homens
as conquistas milenares buscam o rumo do suicídio
nos lugares ermos e comuns do tempo.

O tempo...
Ora, o tempo...
Ninguém consegue neutralidade
nos labirintos dessas ruas
e o homem não sabe mais fugir dos perigos.

1. DO SER E ESTAR – Rafael Rocha

Do livro “ENCÍCLICA DOS HOMENS (Encyclicae Hominum)” - 2019
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1. Cá estou nas ruas, olhando homens escravos da cruz e das orações, que seguem ordens dos representantes de um deus inexistente.
2. Cá estou nas ruas, discutindo com a poeira minha intenção de ser e de estar.
3. E vejo que moro numa babel repleta de escravos. A imundície da crença é total, e a morte é a filosofia/ideologia dessa crença.
4. Está tudo tão claro - aos olhos dos homens - de onde chegam e para onde vão essas coisas!
5. Quero fugir dessa hipocrisia de cruzes e de orações vazias e habitar lugares realistas.
6. Pelas ruas caminho lépido, ainda que tenha medo/pena de olhar mulheres, homens e os corpos famintos das crianças de rua. Também tenho pavor dos igrejeiros. Fico aterrorizado com as suas falas traiçoeiras, que tentam encarcerar meus atos de humanidade.
7. Eis, então, os homens sem compromisso humano! Por causa deles somos incapazes de defender até um mísero grão de areia. Eles sobem aos púlpitos e se fazem governo. Reduzem nossos sonhos a cinzas. E a humanidade fica ignorante, acatando as mentiras dos dogmas das igrejas e as leis dos parlamentos, criadas por uma sociedade caduca.
8. Eles são ladrões dos nossos caminhos e das nossas vidas e provocam dor e lágrimas nos lugares onde nossos pés desejam pisar.
9. Hoje estamos envolvidos pelas promessas vãs de momentos melhores e proteções “eternas e santas” em um ignoto além. Tudo mentira! Não devemos acreditar nessas invenções.
10. Prefiro a algazarra de um boteco em uma das ruas do meu bairro, cigarro numa mão, copo de cerveja em outra, escutando a canção mais antiga do mundo: aquela que traz lágrimas aos olhos. Vendo o povaréu da mais pura ignorância a zombar de mim como se eu fosse um filósofo bêbado e excêntrico. 
11. Lágrimas caem de meus olhos. Ardentes! Querem ser lavas vulcânicas. Rubras. Têm voos de estrelas cadentes. Querem frutificar a terra. Querem luzificar a lua. Lágrimas lacrimais. Ardentes águas. Têm gostosas ações de sexo e de prazer na liquidez. Elas querem que os homens e as mulheres sejam mais donos de si mesmos e das suas paixões, e mergulhem de corpo e alma no viver intensamente.