Sétimo
capítulo do romance lançado no ano de 2002
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Luiz Ferrari já se arrependera da
aventura em que se tinha metido. Junto com mais três seminaristas saíra do
seminário de Olinda, naquela fria noite de julho de 1951, com a intenção de
conhecer o Recife e agora rezava a todos os santos pela ocorrência de um
milagre de retorno rápido à sua cela no seminário.
Desde o mês de março tinha sido
interno por seus pais, numa jura familiar da necessidade de se ter um padre na
família para Deus colocar suas bênçãos sobre todos.
Não perguntaram se ele desejava
isso. Nem ele mostrou sinais de rebeldia. Tinha sido educado por suas muitas
tias solteironas para aceitar a vida religiosa e não sabia discernir o
verdadeiro sentido da vida sem Deus, a Virgem Maria, o Crucificado e demais
santos. Mas agora estava num local desconhecido e para ele pavoroso!
Nunca em sua vida conhecera ruas
tão sombrias, onde grupos de mulheres vestidas indecentemente o abordavam,
tocavam e falavam obscenidades.
A presença delas trouxe-lhe a
lembrança o seu preceptor no seminário, o abade Giacomo Vitale, que sempre
procurava mostrar que o principal perigo do mundo não era o Diabo, e sim, seu
emissário, a mulher, enviada à Terra para tentar e levar ao inferno as almas
dos homens.
Na Bíblia, todos os internos
estudavam que a mulher nascera de uma costela de Adão, porém, muito mais do que
isso era colocado na mente deles pelos preceptores.
“Por causa da mulher, Adão pecara e perdera a vez no Paraíso. Tudo por
obra e graça da mulher, por ter levado em conta os conselhos da serpente, alma
viva de Satanás”, diziam.
Seus três companheiros tinham
praticamente desaparecido. Entraram em um daqueles sobrados, onde se escutavam
gritos e gemidos, algazarras parecidas com festas e orgias. Perambulando pelas
ruas do Bairro do Recife, Ferrari rezava a Deus e a todos os santos pedindo
para não cair nas garras do demônio, quando uma sombra o alcançou na esquina da
Rua do Bom Jesus com a Avenida Rio Branco.
− Le garçon est-il perdu? Qu'est-ce qu'un garçon
mignon fait dans la rue à la fois comme ça?
Procurou ver quem assim falava,
misturando francês com um português estranho, e se viu cara a cara com Hely
D’Anjour. Não imaginava que figura podia ser aquela. Olhos amendoados como os
dos orientais, pálpebras pintadas de azul, mãos de longos dedos, onde o
vermelho das unhas fazia um contraste com a capa branca caída sobre os ombros,
quase alcançando a cintura.
Olhou e viu os lábios grossos,
pintados de carmim, mostrando um sorriso lúbrico. Só não entendeu aquele desejo
e luxúria a tremeluzir neles.
Emudecido, imaginando que aquela
figura só podia ser o diabo em pessoa, o seminarista apressou o passo para
fugir, porém D’Anjour foi mais rápido. Em um átimo estava ao lado do rapaz.
− Nadim de temer d’mim, chèrie.
Se tá perdido tô qui pr’ajudar. Sei
tudo de cá, mas oui....
− Não sei o quê... Não sei
nada... Tô querendo voltar pra casa e...
− Ah, oui... O queridim tá
perdido... Pobrezim, pobrim.... Mass pooode deirrar as côsas aqui com a Berta. Sou a Roberta Cucu, a forfura darqui... Posso fazer chèrie
munto ferliiiz.
− Não posso... Preciso voltar...
Não sei como...
− Ah, ora nô... Nô pudê ir ora nô. Pr’onde querres ir, hein, mon enfant?
Diz, diz...
− Preciso voltar pro seminário!
Não sei ir... Não sei onde estou... Eu... Eu...
− Pobrim de ti, mon petit!
Mas deirre. Mainha darrá jeitim....
Ei, avez-vous dit séminaire?
− Sim, do seminário...
Seminário... Vou ser padre... Tô no seminário de Olinda... Saí com uns colegas
e eles me deixaram por aí... Perdi-os... Perdi-me... Pode me ajudar? Você pode
me ajudar?
− Oui, clarro, chèrie! Pooosso, poooossso, poooossooo... Porrém, ooolhe. Olinda é looooonge e arroraaa nô tê carro pr’alá. Nô tem jeitim. Une heure du matin et le
petit prêtre dans la rue! Terrible! Que côsa! Pecaaado, pecaaado, pe-ca-dooo! Vem cá d’mim pro quentim e manhãzinha mostro como vorrtar alá. Oui? Tá certim?
− Não sei se devo... Não se devo
tirar você do caminho... Você vai pra casa, não vai?
−Ah, mon
amour, mon petit! Clarro!
Clarro! Je rentre à la maison! Bien... É log’ali pertim. Ter um cantim só d’mim. Lá o petit
amour vai drumir e logo a solar sol levo o meninim a pegar quarrrquer carro
pr’Olinda e prontim, prontim... Tá bien,
chèrie?
O seminarista Ferrari olhou para
o acompanhante. Não sentiu perigo aparente, mesmo com os instintos apregoando
ser melhor esperar o dia nascer ali mesmo na rua. Todavia, o corpo pedia um
lugar quente.
A frieza da madrugada estava
pondo-o em estado de torpor desvairado. Não achou ruim aceitar o convite
daquela figura estranha, meio homem e meio mulher.
Quem
seria mesmo? Disse chamar-se Roberta, mas estava dando a impressão que tudo
isso eram apenas maneirismos e gestos estudados. “Que mal ele pode me fazer?
Está oferecendo ajuda... Por que não?”, pensou Ferrari. Assim, decidiu
acompanhar D’Anjour.