segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

PIRILAMPOS – Rafael Rocha

Do livro “Abismo das Máscaras” - 2017
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Aconteceu em um dia de janeiro
a natividade de um sonho de mulher
no meu caminho.
Fustigou minha vida com um beijo
e
o corpo moreno e macio
vestiu-se todo de estrelas
como um bordado de pirilampos
dentro da minha noite vazia.

Em todos os janeiros a lembrança é forte
do tempo dessa natividade.
O panorama de meus espaços
tem um passado confuso como o vento.
E a mulher acontecida
 nasceu tão perto do caminho
e
eu consegui fazer distanciar meu tempo
como se temendo sua entrada toda
em minha casa.

Faltam poucos meses para o próximo janeiro
e eu estou triste.
A natividade de um sonho de mulher
fugiu do meu caminho.
Ela ainda está perto vivendo distante
como as estrelas nos telescópios.
E eu que era o seu astrônomo
não sei mais olhar a tessitura
do bordado de pirilampos.

CONJUGAÇÃO DO PRESENTE – Rafael Rocha


Do livro “Meio a Meio” – 1979
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Retrato vitalício de angústias.
Arrendamento de artérias sanguíneas.
Os canibais povoam as ilhas isoladas
dos neutros homens.

Prolongamento de túneis petrificados.
Rios de poeira comprimindo as pálpebras.
Noites de intensas lágrimas e sangue imoladas
nos neutros homens.

Comboios de desejos em condensações.
Trilhos de ferro negro onde se geme dormindo.
Casas caiadas de branco
e habitantes cinzentos abraçados
aos neutros homens.

Vestimentas de aço e mãos que estrangulam flores.
Manadas de javalis selvagens e ferozes e famintos.
Estão sendo sugadas as artérias
dos homens neutros 
em transes infinitos.

O ÚLTIMO GATO – Rafael Rocha


Conto inserido no livro “O Espelho da Alma Janela” (2009) agraciado pela Academia Pernambucana de Letras (APL) em 1988, com o Prêmio Leda Carvalho.
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– Esta cidade é ímpia! Pecadora! Não se pode nem criar um animalzinho dentro de casa!
– Por favor, dona Magda! Fique calma!
– Jamais! Jamais! O senhor tem que tomar uma atitude!
– Mas eu não sei onde se encontra seu gato, dona Magda!
– Se o senhor que é delegado não sabe das coisas nesta droga de cidade... Não sabe nem como achar um gato?... Meu Deus! Onde iremos parar?
– Sou um delegado de polícia, dona Magda. Investigo crimes e não o paradeiro de gatos de estimação.
– Pobre do Júlio César!
– O que é que tem Júlio César a ver com isso, dona Magda?
– Júlio César é o nome dele... O nome do meu gato, do meu gato. Numa hora dessas, ele deve estar morrendo de fome!
– Vou dar uma sugestão para a senhora. Quer escutar?
– Diga...
– Providenciarei uma busca pela cidade. Quer me dizer como é seu gato?
– Ele é lindo, macio, felpudo, inteligente...
– Por favor, dona Magda, diga como é seu gato. A cor, o tamanho, se ele atende pelo nome...
– Bem, ele é um siamês bem felpudo, cor cinza e... Ele não atende a estranhos. Só atende a mim.
– Tudo bem, agora volte para casa. Fique calma. Vou providenciar tudo para achar o bichano.
– Ele detesta ser chamado de bichano. Ele não gosta de ser chamado de bichano.
–Tá certo, tá certo... Eu resolvo isso... Qualquer coisa, eu comunico à senhora. Fique calma.
 Dona Magda saiu da delegacia de polícia de Caetés, agreste de Pernambuco, denotando uma desesperança total. As lágrimas escorriam pelos seus olhos em cascata. Na rua, resolveu tomar outra atitude mais drástica ainda. “Tudo por meu gato! Júlio César merece! Pobre gatinho! Quanto sofrimento deve estar passando agora!” Atravessou a avenida principal e se dirigiu à casa do juiz Valadares.
 O delegado Moisés chamou um dos subalternos à sua sala. Estava uma fera. Não suportava a ideia de que tinha de procurar um simples gato, logo ele que odiava gatos. Principalmente aquele gato de dona Magda. Lembrava dele bastante bem. Ela desfilava com o bicho em tudo que era lugar. Até na missa matinal do domingo levava o gato, motivando reclamações do padre Terêncio. Lembrava muito bem o padre ter dito que dona Magda o procurara com o fim de batizar o gato.
– Já imaginou, doutor Moisés, batizar um gato?
– O que o senhor disse a ela?  
– Disse que apesar do animal também ter sido criado por Deus, não é um ser humano igual a nós. Não tem alma, e Deus criou os animais para nos fazer companhia e não para serem tratados como seres humanos.
– E ela?
– Bom... Não gostou nem um pouco do que eu falei, claro. Mas depois perguntou se podia trazer o gato para assistir à Santa Missa.
– Essa não!
– Para o bem de todos e da minha igreja eu concordei. Ela ajuda muito nossa congregação com donativos, dinheiro, o senhor sabe, ajuda os pobres da cidade por meu intermédio...
– É, é, eu sei... Mas batizar um gato! Que mulher!
– E mais uma coisa, doutor Moisés. Eu não suporto aquele gato. Não suporto!
– Muito menos eu! Muito menos!
– Domingo passado estava a fazer o sermão e lá vem o bichano com os miados. Eu olhava para a dona e ela acarinhando o gato. E o danado não se calava. Era miau pra lá, miau pra cá. Meu bom Deus, quase que eu perdia a paciência e soltava algum desaforo! No fim, todo mundo estava rindo.
– Do sermão?
– Nada disso. Todo mundo ria porque o gato não me deixava acabar o sermão de tanto miado. Fui obrigado a deixar de falar sobre a crucificação de Cristo e caí em contradição, ordenando que dona Magda levasse Judas para casa.
– Judas? Judas?
– Foi exatamente por isso que todo mundo começou a rir na igreja. Troquei o nome de Júlio para Judas. E parece que caiu bem.
– Ah, ah, ah... Essa foi boa, padre Terêncio! Essa foi boa!
– Expiei meus pecados depois, porque naquela hora eu queria ver aquele gato morto. Imagina!...
***
O investigador Cristóforo apresentou-se na sala do doutor Moisés, crente que alguma coisa de muito grave tinha acontecido, pois vira dona Magda sair chorando há poucos minutos. Ao entrar deparou-se com o delegado a andar de um lado para o outro, enraivecido e a soltar impropérios.
– Pronto, senhor. Às ordens!
– Vou dar a você um trabalho muito especial. É quase um trabalho de detetive. Você terá que mostrar suas capacidades de investigador hoje. E quero resultados urgentes.
– Tudo bem, senhor. Estou pronto. O que tenho de fazer?
– Como eu disse é um caso especial. Viu a mulher que acabou de sair daqui?
– Claro! Parecia em estado de choque. Chorava muito! Aconteceu algo grave com alguém da família dela?
– Imagina! Claro que aconteceu! Com o Júlio César. Logo com o Júlio! Porra! Cacete!
– Calma, doutor. Estou aqui pra ajudar. Calma.
– Espero que ajude mesmo. Espero...
– Basta o senhor fornecer mais detalhes.
– O danado do Júlio César desapareceu e você vai ter de achá-lo, logo, logo...
– Acho que não vai ser difícil... A cidade é pequena. Todo mundo se conhece. Pelo visto o tal Júlio deve ter dado uma escapada por aí para se encontrar com os colegas, tomar umas biritas...
– Porra nenhuma! O Júlio não é disso, Cristóforo! Porra nenhuma! O Júlio César é o gato da madame, puta merda!
– Mais fácil ainda se for um gato. As madames hoje chamam todos os rapazinhos de gato... Epa... O que é senhor disse?
– Tás surdo, imbecil? Eu acabei de dizer que o Júlio César é o gato de dona Magda. Você vai ter de encontrar o gato da madame. Consegue?
– Um gato? Um gato mesmo?
– Exatamente, felpudo, lindo, cinza... E não chame ele de bichano, pois ele não atende. E... Por favor, não chame de nada mesmo, nem pelo nome. Ele não atende a estranhos. Mas ache esse gato, ache esse gato de qualquer jeito, Cristóforo.
***
Cantídio Valadares estava no terraço de sua casa, antegozando sua transferência para a cidade do Recife a acontecer dentro de uma semana, quando dona Magda Mateus entrou esbaforida pelo portão, chorando como uma criança. Saiu do seu torpor, chamou a esposa e ambos deslizaram até o jardim para acudir a mulher. Dona Magda fazia parte do círculo social de ambos, apesar das excentricidades. Uma delas, o seu amor pelo gato, aquele gato siamês gordo, cinza e grande, pelo qual Valadares e a mulher tinham ódio supremo. “Ela não está com o gato. Ainda bem”, pensou o juiz, olhando de viés para a esposa Sílvia.
– Doutor Valadares, doutor, ainda bem que o senhor está em casa! Ainda bem!
– O que houve, dona Magda? O que está acontecendo?
– Uma tragédia, doutor! Uma tragédia! Vim agora mesmo da delegacia.
– Vamos entrar, vamos entrar. Sílvia traz um copo d’água para ela. Vamos se acalmar. Depois de beber a água a senhora explica tudo.
O juiz Valadares fez dona Magda sentar-se numa das inúmeras cadeiras do terraço. A esposa logo a seguir retornou com um copo d’água sorvido vagarosamente pela mulher.
– Pronto, pode falar agora? Desabafe, por favor. Que tragédia foi essa?
– O senhor nem imagina. Foi o Júlio! O Júlio, doutor Valadares!
– O Júlio? Não conheço! Parente seu?
– Mas o senhor conhece tão bem o Júlio César!... Já vim com ele aqui tantas vezes...
– Para ser sincero minha senhora...
– Vocês, homens da lei, parecem ter memória curta... Júlio César é o meu gato, doutor Valadares!
“Mais uma vez o maldito gato”, pensou o juiz. A esposa Sílvia saiu de mansinho do terraço. “Lá vem coisa”, imaginou. “Aqui não fico”.
– Ah, sim... O Júlio. O bichano...
– Bichano não, doutor! O meu Júlio... Ele não suporta ser chamado de bichano.
“Isso é pra fazer o diabo apagar o fogo do inferno”, bradou o juiz em seu íntimo.
– Certo, certo... O que aconteceu com o Julinho? O que aconteceu com ele, dona Magda?
– Desapareceu, doutor. Acho que foi sequestrado! Acho que sequestraram o meu Júlio. O mundo de hoje é tão ímpio! Tão violento!
– Concordo, dona Magda! O mundo de hoje é violento mesmo. Mas o que faz a senhora pensar que sequestraram o Júlio?
– Todo mundo sabe como o Júlio é importante para mim. Todo mundo sabe.
– Vamos por partes. Já falou com o Moisés?
– Vim de lá agora mesmo. Mas, o senhor... Acho que o senhor tem mais capacidade para esse trabalho. Aquele delegado...
– Hein?...
– Ele é tão lerdo... E insiste em chamar o Júlio de bichano...
– Calma dona Magda. Tudo vai dar certo. O Moisés vai colocar investigador na rua. Logo, logo, o seu gato volta pra casa.
– Mas o senhor vai ajudar, não vai?
– Claro! Claro! E esqueça esse negócio de sequestro. Nunca aconteceu sequestro de gato no mundo e não vai ser hoje que acontecerá. Ele deve é ter se perdido por aí.
– O senhor é ótimo. O senhor me dá mais confiança. É muito bom ser sua amiga, doutor Valadares.
– Vá para casa. Fique tranquila. Vou entrar nesse assunto. Logo terá o seu gato de volta.
Dona Magda retornou para casa mais aliviada. Cantídio Valadares ficou a olhar o vulto da mulher até que ela dobrou uma das esquinas. Ao retornar para o terraço, a esposa Sílvia estava a olhar para ele pronta para explodir numa gargalhada.
– Escutou essa, Sílvia? Escutou?
– Ah, ah, ah… Júlio César! Essa foi boa! Eu nem sabia que aquele gato se chamava Júlio César!
– E eu? E ela dizendo que eu conhecia o Júlio bastante bem. Júlio César! E o sequestro... Ora, porra!
– Olha a linguagem, Cantídio. Você vai mesmo?
– Vou o quê?
– Procurar o gato da madame? – ao perguntar isso Sílvia explodiu numa gargalhada e entrou em casa correndo.
***
Cantídio Valadares buscou calma nos recônditos do seu espírito. Um tanto alérgico a pelos de animais, não suportava quando dona Magda o visitava em casa com o gato. O pior era que ela deixava o animal solto e os pelos se espalhavam no sofá, nas cadeiras do terraço...  
– Por mim... Por mim, melhor que ele esteja morto – bradou o juiz.
Resolveu fazer uma visita ao delegado Moisés Vital.
– Tudo resolvido. O Cristóforo é um cara de muitos meios. Um investigador especial.
– Ainda bem. Acharam o gato?
– Não. Não achamos. A história é outra. Mas descobrimos que ele era o último gato da cidade.
– Como é isso? Último gato?
– Exatamente, Valadares. A cidade não tem mais gatos. O Júlio César era o último dos gatos de Caetés.
– Olha a brincadeira, Moisés. Olha a brincadeira!
– Vou explicar. O Cristóforo é foda! Conhece todo mundo daqui e dos outros distritos, principalmente a turma do Anjo.
– Hein? Turma do Anjo?
– Isso! Alguns rapazes que adoram gatos! Já tenho até os nomes deles. Maquiavel, Jerônimo, Renildo, Tomás e o veterinário Betoca.
– Vá logo, que eu não estou entendendo nada. Explica tudo.
– Cristóforo investigou e descobriu que essa turma adora gato. Por isso nossa cidade não tem mais nenhum gato. Todos eles desapareceram. Morreram. E o gato de dona Magda... Coitado, já era.
– Continua. Eles matam gato assim de brincadeira, é? Pra vender o couro?
– Nada disso! É a birita! É a cachaça deles! É o tira-gosto deles. Acho que nesse exato momento, o gato de dona Magda está no forno sendo assado e os rapazes esperando o tira-gosto de gato no boteco do Evaldo. Quer ir comigo até lá confirmar?
– Essa foi boa! Essa foi demais, Moisés! Tira-gosto de gato, hein? E não faz mal, não? Ao que saiba... É muita coragem dessa turma... Daqui a pouco estarão fazendo churrasco dos cachorros. Claro, vamos até o boteco. Quero conhecer esse pessoal. Vamos logo!
***
No boteco do Evaldo, o último gato de Caetés estava quase pronto para sair do forno, quando o delegado Moisés e o juiz Cantídio Valadares entraram no salão. Numa mesa central, Maquiavel, Jerônimo, Renildo, Tomás e o veterinário Betoca bebericavam suas cachaças, esperando a chegada do repasto felino. O juiz se alojou numa mesa próxima juntamente com o delegado e olhando os rapazes, falou alto e bom som.
– Tudo bem, pessoal? Todo mundo numa birita boa hoje, não é? Eu e o delegado Moisés estamos numa investigação especial e achamos que vocês podem nos ajudar bastante.
– Tudo bem, doutor – falou Maquiavel – Se estiver nos conformes, conte com a gente.
– Bom, nós tomamos conhecimento que todos os gatos da cidade desapareceram do mapa!
Renildo se engasgou com a lapada de cachaça que estava a engolir naquele exato minuto e começou a tossir. O delegado Moisés deu um tapa forte nas costas dele para aliviá-lo.
– Mais devagar, rapaz. Cachaça não se bebe assim não. Mais devagar.
Os outros rapazes ficaram praticamente sem saber o que falar. Olharam uns para os outros. Nem sequer movimentaram os corpos para sair da mesa.
– E agora o gato de dona Magda sumiu. O último gato da cidade, rapazes! O último gato! Um gato de raça! O Júlio César! Imaginem! Logo o Júlio César! E também fui informado sobre a existência de uma turma de rapazes que adora tira-gosto de gato regado com cachaça. Muito difícil de acreditar, não é? Não consigo imaginar alguém a gostar de carne de gato, rapazes. Não consigo. O que você acha disso, Moisés?
– Horrível! Um crime hediondo! Todos os gatinhos da cidade foram comidos. Até o Júlio César! O Júlio, de dona Magda! Isso é trágico!
Os cinco rapazes estavam empertigados. Não sabiam o que fazer. Ficaram a escutar o juiz Cantídio e o delegado Moisés, rezando para o Evaldo não sair da cozinha com o bichano assado e pronto para ser deglutido. Mas nem deu tempo para pensar em escapar do lugar, pois o Evaldo entrava naquele momento no salão com uma bandeja e nela o tira-gosto de gato. Um cheiro de carne assada invadiu toda a área.
– Tá ele aqui, pessoal! – disse Evaldo – Tá muito melhor do que os outros!
O delegado Moisés se levantou, bem como o juiz. Puxaram suas cadeiras até a mesa onde os cinco rapazes, todos já de alegria perdida, olhavam o prato de tira-gosto recoberto com verduras, tomates, cebolas e batatas fritas. Evaldo notou que alguma coisa não estava certa, calou a boca e saiu ligeiro de volta à cozinha.
– A fisionomia é boa, não é, Moisés? E o cheiro é muito bom mesmo. Muito bom! É uma tentação! Será que isto é tira-gosto de gato, rapazes? – perguntou o juiz Cantídio, mas nem deu tempo para ninguém responder – Sabe, acho que vou experimentar para ver se é saboroso mesmo. E tomar uma lapada com vocês.
O juiz pegou garfo e faca, cortou um belo pedaço da carne posta na bandeja, encheu um copinho com a cachaça Pitú. Entornou a birita goela abaixo e depois... Mastigou o tira-gosto, buscou o sabor em toda compleição da carne...
– Muito bom... Muito bom mesmo... Carne de primeira. Experimenta, Moisés. Toma uma lapada também e experimenta o tira-gosto.
O delegado Moisés Vital fez o mesmo. Depois, olhou para o juiz.
– Muito bom! Gostoso demais, doutor Valadares. Bem gostoso.
– Mas, meu caro Moisés – disse o juiz Valadares – Isso não é carne de gato não. É alguma carne específica, mas não é carne de gato não, entendeu? Sabe, rapazes, se eu tivesse conhecido vocês antes... Puxa, que carne gostosa! Posso pegar outro pedaço?
– Claro doutor juiz. Claro! Pegue o quanto desejar! Pode pegar – exclamaram quase ao mesmo tempo Renildo, Maquiavel, Tomás, Jerônimo e o veterinário Betoca suspirando aliviados – É um prazer que o senhor tenha gostado. Sirva-se!
Cantídio Valadares sorriu. Mais uma lapada de cachaça, mais um naco de carne.
– Realmente. Realmente. É uma carne deliciosa. Não quero nem saber de que bicho é. Mas carne de gato é que não. Muito menos carne do Júlio César.
Pegando o delegado Moisés pelo braço, o juiz se retirou do boteco. Um sorriso iluminava seu rosto. Moisés não entendia patavina. Depois de caminharem algum tempo sem nada falar um ao outro, Cantídio soltou uma gargalhada.
– Era gato mesmo. Era o gato de dona Magda, Moisés! Ah, ah, ah... Porra! Ah, ah, ah! O Júlio César! Era o Júlio! Caralho!
– Claro que era carne de gato! A culpa estava estampada no rosto deles. Era carne de gato, doutor Cantídio. E agora? Fazemos o quê?
– Nada! Nada! O que você acha que a gente deve fazer? Hein?
– E dona Magda? O que diremos para ela?
– Moisés, este mundo é cheio de surpresas. Muitas surpresas. Dona Magda é uma pessoa excêntrica.  Não se preocupe. E, por falar nisso... Lá vem ela!
Exatamente naquele minuto dona Magda Mateus saía da loja de aves de seu Odorico das Mercês, carregando uma gaiola. Dentro dela dois periquitos australianos. Ao ver o delegado e o juiz diminuiu o passo e parou ao lado deles.
– Tudo bem com os senhores? Já conhecem Cleópatra e Marco Antônio? Não são lindos?