quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

PALAVRAS AO VENTO - Rafael Rocha


Não vem aos meus anseios

fazer nascer os velhos sonhos

delineados nas ruas antigas

criar lugares devotados

aos amores que causei

aos inimigos que ganhei

aos amigos os quais sei.

Não me vem aos anseios

nada que eu possa mudar:

transformar uma menina

numa bela mulher...

transformar este homem velho

no rapaz que um dia fui...

 

Nada é apenas coisa alguma

e tem segredos esvaídos

muitos confidenciados

ao melhor amigo

das velhas horas noturnas.

E ainda que nada salve

tudo aquilo a restar

na paisagem dessa vida

minha e tua

(nossa vida!)

dizer “eu te amo”

salva as noites e os dias

e as conversas do amanhã

que ainda possamos ter. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

CLAUDETE (2016) - Rafael Rocha

 

Claudete era a mais safada

das putas do pátio do carmo

no centro do Recife

Claudete bebia cerveja

como se fosse água

e trepava como se

os caralhos oferecessem a ela

uma fome sanguínea

 

gritava como era gostoso

o gozo pelo corpo dela

ela fazia da foda

uma perpetuação

de todos os relâmpagos

Claudete não tinha

escolha para o tempo

o tempo era dela

 

Claudete de dia morava

no bairro de Peixinhos

na cidade de Olinda

com a mãe e uma filha

de uns poucos dez anos

de dia Claudete era sã

 só bebia café e água

e não falava palavrão

era uma santa

 

Claudete matou Valdirene

na pensão de dona Amara

da rua da Concórdia

a filha de Claudete cresceu

com a mãe no presídio

a filha de Claudete hoje

é a mais nova puta da cidade

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

CANTARES III - Rafael Rocha

 

Delimito no infinito do horizonte

A dor escondida guardada dentro dos homens

Crio marcos e marcas para todos os viajantes

E profetizo o verso ainda não posto à mesa.

Até alcançar este limiar cheio de mim

Limiar que pretende ser eterno

(19)

As esperanças continuam vivas nas ruas
Ainda que os olhos dos humanos não brilhem
Como nos dias de antanho.
Quase todos estão trêmulos

E sozinhos e ansiosos

Um tanto esquivos das suas realidades.

Talvez pensem que tudo esteja perdido

E que o reinado da dor e da morte

Tenha se revigorado.

Em verdade, em verdade vos digo:

Não devemos nos esquivar daquilo que vivemos.

É preciso reunir nossas forças

Na beira de todos os rios

Antes que as sombras da morte

Derrubem a estrela perpétua

Do seu altar de sonho.

(20)

Meus queridos,

A Pátria Nordeste não é uma terra morta
Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.

Das nossas mulheres!

Dos homens voluntariosos!
Não deixemos que o lampejo das estrelas
Se deixe ficar agonizante

Nas mãos dos imbecis que beijam

As bandejas dos desvarios

E das loucuras do ouro.

No reino de dentro de cada um de nós

Não deve existir disfarces.

Em verdade vos digo:

Temos de nos comportar

Como se o vento nordeste

Seja um frêmito de guerra

Com garras flamejantes.

(21)

Não somos seres imbecis nem esclerosados!
Não somos fantoches nem marionetes!
Estamos amparados uns aos outros pelo suor

A escorrer através dos poros

Quando trabalhamos a terra.

E quando gritarmos juntos e unidos
O sussurro da vitória será um trovão
Que de tão formidável abalará

As entranhas dos adoradores da morte.

Caminhemos! Caminhemos!

A estrada é longa!

Vamos buscar mulheres e homens!

O Senhor da Liberdade respira

E tem seu livro sagrado escrito

Na pele amarfanhada

Dos humanos tristes e pobres.

(22)

Os queridos que escolheram

Andar na outra margem
Deixaram de aceitar a realidade destes tempos.
“Ah, como é violenta essa vida!” – pensaram.
Eles entregaram gratuitamente

As almas ao deus do bordel
E aos homens que usam

Um livro dito sagrado para fundar igrejas!
Foram empalhados como espantalhos

E programados

Para vender a fé como um trago de cachaça

E para roubar a moeda do bolso do pobre.

Será contra essa nação de meliantes

Que iremos lutar.

Não vamos dizer que possuímos

A voz de alguma divindade.

Possuímos nossa verdade e nossa fome.

Nossa pobreza e nossa honestidade.

(23)

Em verdade, em verdade vos digo:

O vento nordeste

Está cantando solenemente o hino

Da mais cruel realidade da nossa vida.

Que os hipócritas fiquem longe!

Não se aproximem!

Nem mais um passo deem!

Estamos em frêmito de concepção

Pois somos a raça dos escolhidos

Antes que as águas cubram as planícies.

Em verdade vos digo:

Antes que a vontade dos mercadores de almas

Seja cumprida

Os brotos das árvores serão mais novos

Do que as sementes plantadas

Pelas mãos dos opressores.

(24)

Eis aqui: nosso maior anseio.

Eis aqui: nossa ideia essencial.

Eis aqui a explosão de nossos suspiros.

A pétala da flor vermelha se reabre

Quando ganhamos mais uma vez o dia

Ao rufar dos tambores

Anunciando

A vitória dos nossos heróis.

(25)

Qual caminho você vai escolher, meu amigo?

Não, nada disso!

Eu não estou fazendo papel de místico.

Eu sou um guerrilheiro espirituoso.

Sou um peregrino

A viver das minhas explosões verbais.

Não vou obrigar ninguém a seguir caminhos.

Mas se você prefere a derrota, siga!

Também é muito bom sofrer derrotas.

Com elas aprendemos o sentido da vida.

(26)

Eu falo porque quero falar.

Gritarei quando desejar gritar.

Faço parte do mundo e o mundo é meu.

Os hipócritas que nos governam

Não são donos do mundo!

Está envergonhado de mim?

Que assim seja!

Mas em verdade, em verdade vos digo:

Ao ficar envergonhado de mim

Você estará mais do que nunca

Sendo covarde.

E como um leproso pensando não ter cura

Esconder-se-á nas cavernas

Do próprio medo.

Em verdade vos digo:

Não ando pelo mundo

A derramar lágrimas de lástima.

Nem vou me acovardar

Para ganhar as honrarias

Dos títeres que governam a pátria.

(27)

E então eu pergunto outra vez:

Quer ficar a sós comigo?

Este ficar a sós não significa esconderijo

Significa guerra! Significa luta!

Significa que iremos tocar fogo

Nas “histórias oficiais”

Escritas pelos que se dizem donos da verdade.

Quer ficar a sós comigo?

Mostraremos o quanto somos válidos

E não iremos criar leis

Para termos desculpas

A serem descumpridas.

PIRILAMPOS - Rafael Rocha

 

Aconteceu em um dia de janeiro

a natividade de um sonho de mulher

no meu caminho.

Fustigou minha vida com um beijo

e

o corpo moreno e macio

vestiu-se todo de estrelas

como um bordado de pirilampos

dentro da minha noite vazia.

 

Em todos os janeiros a lembrança é forte

do tempo dessa natividade.

O panorama de meus espaços

tem um passado confuso como o vento.

E a mulher acontecida

 nasceu tão perto do caminho

e

eu consegui fazer distanciar meu tempo

como se temendo sua entrada toda

em minha casa.

 

Faltam poucos meses para o próximo janeiro

e eu estou triste.

A natividade de um sonho de mulher

fugiu do meu caminho.

Ela ainda está perto vivendo distante

como as estrelas nos telescópios.

E eu que era o seu astrônomo

não sei mais olhar a tessitura

do bordado de pirilampos.

domingo, 7 de janeiro de 2024

GUARDANAPO (1984) - Rafael Rocha

 

Em um guardanapo de papel

escrevi um poema triste

na mesa do bar Mustang.

 

De repente, ele deixou de ser meu!

 

O vento traiçoeiro

deu para ensinar voo pelo ar

ao guardanapo de papel.

 

Quando tentei segurar o guardanapo

uma prostituta gargalhou

e um menino de rua correu atrás dele

(o poeta Marcus Antônio também).

 

O poema escrito no guardanapo de papel

sumiu para sempre no ar,

deixando no meu peito uma dor quase alegre.

 

O poema desejou ser livre!

Deve ter sido isso!

DOZE DE MARÇO - Rafael Rocha

 

Saí às ruas do Recife na luzidia semana
de um doze de março.
Dei minhas mãos a algumas mulheres
e bebi com diversos homens.
Passei pela ponte Duarte Coelho
e vi guirlandas de novas luzes
e o Capibaribe escorrendo
a gritar para o Beberibe:
- Sou o cão sem plumas de um poeta!

Dez horas da noite:
Fiquei a beber ao pé da ponte,
olhando a passagem da lua,
até quando a quietude da boemia
começou a silenciar o lugar.
A escuridão nada escondeu
a não ser alvoradas futuras
e milhares de sonhos humanos
prestes a começar outro amanhã.

Na Avenida Guararapes
os fantasmas da cidade acordaram:
Mulheres e crianças e homens da noite
no eterno lazer de labutar.
E a metrópole gritou:
- Eles querem ser notívagos livres
loucos pelo prazer de me amar!
 
Prazer de amar e viver o Recife
na luz estelar dos seus rios.
O verso se abrindo
para algum novo espaço sem fim.
Na extinta rua Formosa
onde a Boa Vista hoje tem seu lugar...
- Ah, queria pegar a maxambomba
e viajar pelos subúrbios!

O jornalista Henrique
vomitou corações coloridos
ao sair do Bar do Gordo.
Mas guardou dentro do dele
o coração de Maria Isabel
sua amada universitária.
Na Pracinha do Diário
seus camaradas
Evaldo, Gilson e Zé Carlos
olharam os passantes,
e ficaram apaixonados
pelo livro oceânico
de um escritor dos arrecifes dos navios.

No Bar Savoy
o poeta encheu o copo
e emborcou a variedade de álcool.
Olhou para o espaço:
os edifícios giravam em rodízio de festa.
De repente,
os mais antigos poetas da cidade
saíram das tumbas,
recitando versos
vindos de seus mergulhos noturnos
no histórico buraco do mar

sábado, 6 de janeiro de 2024

LOUCA OBSESSÃO - Rafael Rocha (2022)

 

Pensando no teu corpo eu canto um velho fado
levo o meu sangue a escorrer a teu lado
invisível e esperando ameigar a paixão.
A saudade obriga a carne a elevar um brado
ainda que me chamem de velho safado
pretendo degustar teus sabores de amplidão.

Mulher a habitar meus sonhos mais inteiros...
Suaves espaços de suor, de pelos e de cheiros
estás viva nos meus versos em louca obsessão.
Mulher da flor cativa odorosa aos canteiros
dos seios, das axilas, das coxas, traz ligeiros
desejos de sexo a criar louco tesão.

Pensando em tua boca carnuda eu me derramo
no anseio maluco de querer dizer te amo
como se apenas plantasse uma ilusão.
Mulher a fazer delirar tudo que eu chamo
escuta o bramido retumbante onde eu clamo:
– Vinde saciar minha fome de paixão!