Prefácio escrito pela escritora e professora Divina de
Jesus Scarpim – São Paulo/SP, para o livro “TUDO PODE SER AMOR” do poeta
e escritor Rafael Rocha a ser lançado, no Recife, no próximo mês de
dezembro de 2019
...........................
Esse foi o
segundo livro do poeta Rafael Rocha que li, e nessa segunda leitura
senti tanto prazer quanto na primeira.
Desde o começo da
leitura - e no livro inteiro - reencontrei a voz que me agradou no outro livro:
o poeta-personagem que não se esconde, que se expõe e que se entrega, que me
chamou várias vezes para tomar uma cerveja, vendo a vida da mesa de um bar.
Ah, como quis
aceitar esse convite!
Quase posso vê-lo
em poemas como “Realidade” e gosto
dele porque desde sempre e em todo momento ele se expõe, na dor, na
fragilidade, nas dúvidas e nas contradições que fazem o caos organizado e o
egocentrismo de não se amar.
Rafael Rocha fala
de amor - o título do livro deixa claro o tema -, mas o legal é que não é o
amor piegas e óbvio, é o amor-confissão sem pejo e com doçura.
Na entrega da
intimidade expor a alma não basta, entrega-se fisicamente, sem timidez ou
falsos pudores, em toda sua humanidade nada recatada, como no poema “Masturbação”. Ele é humano, e
isso é muita coisa.
Para começar, o
poema de abertura - “Compulsão”
- define amor sem plagiar Camões ou Gregório de Matos, embora em sua
sinceridade confessional e artisticamente despudorada penda mais para o último.
E o amor, como o
título entrega, é vário e variado, é paralelo e perpendicular, é específico e
inclassificável, é o amor não idealizado que toca o cotidiano, é o amor à
infância lembrada e perdida - “Instante”
–, é o final do amor: a indiferença.
E no poema-título
vemos o passar do tempo sem inconformismo, sem perda de esperança, sem raiva,
suavemente amor.
A impressão que o
texto passa é essa: até a morte pode ser uma forma de amor, porque o amor é
pergunta e resposta.
Esse
poeta-personagem humano e exposto, como não poderia deixar de ser e de fazer,
não oculta e até destaca o sensual, o que é justo, porque sexo e amor, em casos
e casos, são um. Por isso o amor é explícito e o sexo também.
Mas não se
assuste! Não há o que temer porque a poesia não permite a pieguice, a apelação barata.
E os encontros de corpos, no durante e no depois, são louváveis!
Explícito,
poético e comovente - como em “Caminhos”
- nosso poeta sabe falar de sexo com poesia de qualidade.
E - por ser quem
é - não pode deixar de expor sua heterossexualidade explícita, “à antiga”, nas relações em que o
masculino está forte e presente nas ações, nas fantasias do homem desejado e
esperado pela mulher ávida e sedenta de seus beijos e do seu sêmen.
Ele é o
heterossexual que, em “Buracos negros”,
faz um belo louvor à mulher.
Ele é o
poeta-personagem que na cama a três é o único homem, e é também - sem nenhuma
contradição - o heterossexual sem preconceito que sabe ver outra forma de amor
diferente da sua, mas igualmente bela. Que sabe admirar essa beleza e que se
entristece com o ódio - tão oposto a esse amor - que vê apontado para ele com a
intenção de destruí-lo: “Rapazes”.
No amor, pelo
amor e por amor estão presentes, como na vida, muitas coisas, ou muitos amores
que podem ser chamados por outros nomes: tempo e morte, histórias completas e
belas - como em “Lembranças”
-, solidão, desejo do que deixou de existir; uma visita bem-feita a outro
poeta: “Parafraseando o Soneto
d’Arvers”; a velhice triste que se vê nos próprios olhos e na mesa onde
dançam as pedras de dominó.
Há o amor do
poeta que analisa a juventude sem distinguir se é a que vê ou sua própria; há
versos longos, versos curtos, versos musicais, poemas que imaginam dança; há,
na metalinguagem bem-feita, o poema sendo poema e vivendo, tornando-se ele também
personagem; e no lindo poema “Memorial”
vejo o poeta se poetando!
Há também a
consciência política, a crítica social incisiva, a consciência ecológica, a
luta no limite que o amor alcança. Lutar por um mundo melhor também é amor.
Mesmo o ateísmo é, nesse poeta, o conhecimento de que estão dando a uma outra
coisa, nada louvável, o imerecido nome de amor.
No poema “Cataclisma”, num toque de
distopia, vejo o sol se apagando sem que o texto perca a docilidade. E,
finalmente, a melancolia doce de “Fim
de festa” fecha o livro.
Que a gente fecha
com a certeza de que não perdeu tempo.
DJS
São Paulo/SP, julho de 2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário