segunda-feira, 25 de novembro de 2019

POETA QUE SE EXPÕE E QUE SE ENTREGA

Prefácio escrito pela escritora e professora Divina de Jesus Scarpim – São Paulo/SP, para o livro “TUDO PODE SER AMOR” do poeta e escritor Rafael Rocha a ser lançado, no Recife, no próximo mês de dezembro de 2019
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Esse foi o segundo livro do poeta Rafael Rocha que li, e nessa segunda leitura senti tanto prazer quanto na primeira.
Desde o começo da leitura - e no livro inteiro - reencontrei a voz que me agradou no outro livro: o poeta-personagem que não se esconde, que se expõe e que se entrega, que me chamou várias vezes para tomar uma cerveja, vendo a vida da mesa de um bar.
Ah, como quis aceitar esse convite!
Quase posso vê-lo em poemas como “Realidade” e gosto dele porque desde sempre e em todo momento ele se expõe, na dor, na fragilidade, nas dúvidas e nas contradições que fazem o caos organizado e o egocentrismo de não se amar.
Rafael Rocha fala de amor - o título do livro deixa claro o tema -, mas o legal é que não é o amor piegas e óbvio, é o amor-confissão sem pejo e com doçura.
Na entrega da intimidade expor a alma não basta, entrega-se fisicamente, sem timidez ou falsos pudores, em toda sua humanidade nada recatada, como no poema “Masturbação”. Ele é humano, e isso é muita coisa.
Para começar, o poema de abertura - “Compulsão” - define amor sem plagiar Camões ou Gregório de Matos, embora em sua sinceridade confessional e artisticamente despudorada penda mais para o último.
E o amor, como o título entrega, é vário e variado, é paralelo e perpendicular, é específico e inclassificável, é o amor não idealizado que toca o cotidiano, é o amor à infância lembrada e perdida - “Instante” –, é o final do amor: a indiferença.
E no poema-título vemos o passar do tempo sem inconformismo, sem perda de esperança, sem raiva, suavemente amor.
A impressão que o texto passa é essa: até a morte pode ser uma forma de amor, porque o amor é pergunta e resposta.
Esse poeta-personagem humano e exposto, como não poderia deixar de ser e de fazer, não oculta e até destaca o sensual, o que é justo, porque sexo e amor, em casos e casos, são um. Por isso o amor é explícito e o sexo também.
Mas não se assuste! Não há o que temer porque a poesia não permite a pieguice, a apelação barata. E os encontros de corpos, no durante e no depois, são louváveis!
Explícito, poético e comovente - como em “Caminhos” - nosso poeta sabe falar de sexo com poesia de qualidade.
E - por ser quem é - não pode deixar de expor sua heterossexualidade explícita, “à antiga”, nas relações em que o masculino está forte e presente nas ações, nas fantasias do homem desejado e esperado pela mulher ávida e sedenta de seus beijos e do seu sêmen.
Ele é o heterossexual que, em “Buracos negros”, faz um belo louvor à mulher.
Ele é o poeta-personagem que na cama a três é o único homem, e é também - sem nenhuma contradição - o heterossexual sem preconceito que sabe ver outra forma de amor diferente da sua, mas igualmente bela. Que sabe admirar essa beleza e que se entristece com o ódio - tão oposto a esse amor - que vê apontado para ele com a intenção de destruí-lo: “Rapazes”.  
No amor, pelo amor e por amor estão presentes, como na vida, muitas coisas, ou muitos amores que podem ser chamados por outros nomes: tempo e morte, histórias completas e belas - como em “Lembranças” -, solidão, desejo do que deixou de existir; uma visita bem-feita a outro poeta: “Parafraseando o Soneto d’Arvers”; a velhice triste que se vê nos próprios olhos e na mesa onde dançam as pedras de dominó.
Há o amor do poeta que analisa a juventude sem distinguir se é a que vê ou sua própria; há versos longos, versos curtos, versos musicais, poemas que imaginam dança; há, na metalinguagem bem-feita, o poema sendo poema e vivendo, tornando-se ele também personagem; e no lindo poema “Memorial” vejo o poeta se poetando!
Há também a consciência política, a crítica social incisiva, a consciência ecológica, a luta no limite que o amor alcança. Lutar por um mundo melhor também é amor. Mesmo o ateísmo é, nesse poeta, o conhecimento de que estão dando a uma outra coisa, nada louvável, o imerecido nome de amor.
No poema “Cataclisma”, num toque de distopia, vejo o sol se apagando sem que o texto perca a docilidade. E, finalmente, a melancolia doce de “Fim de festa” fecha o livro.
Que a gente fecha com a certeza de que não perdeu tempo.
                                DJS
   São Paulo/SP, julho de 2019

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