Delimito
no infinito do horizonte
A
dor escondida guardada dentro dos homens
Crio
marcos e marcas para todos os viajantes
E
profetizo o verso ainda não posto à mesa.
Até
alcançar este limiar cheio de mim
Limiar
que pretende ser eterno
(19)
As esperanças continuam vivas nas ruas
Ainda que os olhos dos humanos não brilhem
Como nos dias de antanho.
Quase todos estão trêmulos
E sozinhos e ansiosos
Um tanto esquivos das suas realidades.
Talvez pensem que tudo esteja perdido
E que o reinado da dor e da morte
Tenha se revigorado.
Em verdade, em verdade vos digo:
Não devemos nos esquivar daquilo que vivemos.
É preciso reunir nossas forças
Na beira de todos os rios
Antes que as sombras da morte
Derrubem a estrela perpétua
Do seu altar de sonho.
(20)
Meus queridos,
A Pátria Nordeste não é uma terra morta
Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.
Das nossas mulheres!
Dos homens voluntariosos!
Não deixemos que o lampejo das estrelas
Se deixe ficar agonizante
Nas mãos dos imbecis que beijam
As bandejas dos desvarios
E das loucuras do ouro.
No reino de dentro de cada um de nós
Não deve existir
disfarces.
Em verdade vos digo:
Temos de nos comportar
Como se o vento nordeste
Seja um frêmito de guerra
Com garras flamejantes.
(21)
Não somos seres imbecis nem esclerosados!
Não somos fantoches nem marionetes!
Estamos amparados uns aos outros pelo suor
A escorrer através dos poros
Quando trabalhamos a terra.
E quando gritarmos juntos e unidos
O sussurro da vitória será um trovão
Que de tão formidável abalará
As entranhas dos adoradores da morte.
Caminhemos! Caminhemos!
A estrada é longa!
Vamos buscar mulheres e
homens!
O Senhor da Liberdade
respira
E tem seu livro sagrado
escrito
Na pele amarfanhada
Dos humanos tristes e
pobres.
(22)
Os queridos que escolheram
Andar na outra margem
Deixaram de aceitar a realidade destes tempos.
“Ah, como é violenta essa vida!” – pensaram.
Eles entregaram gratuitamente
As almas ao deus do bordel
E aos homens que usam
Um livro dito sagrado para fundar igrejas!
Foram empalhados como espantalhos
E programados
Para vender a fé como um trago de cachaça
E para roubar a moeda do bolso do pobre.
Será contra essa nação de meliantes
Que iremos lutar.
Não vamos dizer que possuímos
A voz de alguma divindade.
Possuímos nossa verdade e nossa fome.
Nossa pobreza e nossa honestidade.
(23)
Em verdade, em verdade vos digo:
O vento nordeste
Está cantando solenemente o hino
Da mais cruel realidade da nossa vida.
Que os hipócritas fiquem longe!
Não se aproximem!
Nem mais um passo deem!
Estamos em frêmito de concepção
Pois somos a raça dos escolhidos
Antes que as águas cubram as planícies.
Em verdade vos digo:
Antes que a vontade dos mercadores de
almas
Seja cumprida
Os brotos das árvores serão mais novos
Do que as sementes plantadas
Pelas mãos dos opressores.
(24)
Eis aqui: nosso maior anseio.
Eis aqui: nossa ideia essencial.
Eis aqui a explosão de nossos suspiros.
A pétala da flor vermelha se reabre
Quando ganhamos mais uma vez o dia
Ao rufar dos tambores
Anunciando
A vitória dos nossos heróis.
(25)
Qual caminho você vai escolher, meu
amigo?
Não, nada disso!
Eu não estou fazendo papel de místico.
Eu sou um guerrilheiro espirituoso.
Sou um peregrino
A viver das minhas explosões verbais.
Não vou obrigar ninguém a seguir
caminhos.
Mas se você prefere a derrota, siga!
Também é muito bom sofrer derrotas.
Com elas aprendemos o sentido da vida.
(26)
Eu falo porque quero falar.
Gritarei quando desejar gritar.
Faço parte do mundo e o mundo é meu.
Os hipócritas que nos governam
Não são donos do mundo!
Está envergonhado de mim?
Que assim seja!
Mas em verdade, em verdade vos digo:
Ao ficar envergonhado de mim
Você estará mais do que nunca
Sendo covarde.
E como um leproso pensando não ter cura
Esconder-se-á nas cavernas
Do próprio medo.
Em verdade vos digo:
Não ando pelo mundo
A derramar lágrimas de lástima.
Nem vou me acovardar
Para ganhar as honrarias
Dos títeres que governam a pátria.
(27)
E então eu pergunto outra vez:
Quer ficar a sós comigo?
Este ficar a sós não significa
esconderijo
Significa guerra! Significa luta!
Significa que iremos tocar fogo
Nas “histórias oficiais”
Escritas pelos que se dizem donos da
verdade.
Quer ficar a sós comigo?
Mostraremos o quanto somos válidos
E não iremos criar leis
Para termos desculpas
A serem descumpridas.
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