terça-feira, 9 de julho de 2019

OLHOS ABERTOS PARA A MORTE – Rafael Rocha

Segundo capítulo do romance homônimo lançado no ano de 2012 – Agraciado com Menção Honrosa pela Academia Pernambucana de Letras (APL) – Prêmio Vânia Souto Carvalho (2011)
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O vulto magro e vestido de negro se esgueirava rente aos muros. A rua parcamente iluminada ajudava a deixá-lo escondido às vistas das demais pessoas. Mas nenhuma pessoa naquela hora da madrugada transitava pela via. Um pouco mais longe, a segui-lo, outros três vultos. De vez em quando, a pouca luz da rua deixava entrever corpos grandes e musculosos, cobertos por capas negras de chuva e chapéus também negros.
O vulto magro vestido de negro parou sob uma árvore frondosa na calçada em frente a um terreno baldio. Os outros três que o seguiam também pararam um pouco mais distantes, observando o gesto rápido que o magro fazia com a mão. Apontava para o outro lado da rua. Os grandes e musculosos homens seguiram com os olhos o gesto e também olharam para o outro lado da artéria, onde uma iluminação um pouco mais ampla deixava ver dois rapazes pichando um muro.
Apesar de grandes, os três homens eram rápidos. Seguiram rapidamente para o outro lado, obedecendo ao gesto seguinte do magro. Atravessaram correndo a avenida e como urubus famintos caíram sobre os dois jovens. Lâminas cortaram o ar. Silvos agudos acabaram com o silêncio.
Depois, o homem magro vestido de negro estava ao lado dos outros três, olhando os dois rapazes mortos com as gargantas cortadas, sangue a gorgolejar sobre a calçada defronte ao muro que estavam a pichar na calada da noite. “Bom trabalho”, disse ele. “Agora, cortem as cabeças e façam o que já sabem fazer. Cabeças num lugar, corpos noutro”.
Um jipe de capota escura parou rente ao meio-fio. O motorista, gordo e suado ao volante, não moveu um músculo quando os dois corpos foram jogados na parte traseira do veículo. Dois daqueles homens vestidos de negro entraram no jipe, o qual rapidamente arrancou, deslizou sobre o asfalto da avenida, tomou velocidade e desapareceu na primeira esquina. 
No local ficaram o magro e um dos rapazes robustos. Olhavam a frase incompleta, em letras vermelhas e grandes que estava a ser pintada no muro caiado de branco da fábrica de algodão. “Imbecis! Não tomam jeito”, disse o magro, enquanto colocava um cigarro nos lábios, acendia-o e ficava a esperar. Não demorou muito e um caminhão com as luzes apagadas estacionou frente a eles. Dele desceram alguns homens fardados munidos de baldes de tinta e pincéis. Sem dizer palavra alguma começaram a caiação do muro, apagando a frase quase terminada. Não levantaram os olhos para ler o que estava escrito. Sabiam muito bem o que era. Deram a primeira pincelada, depois outra, começando a apagar a frase que dizia: “VIVA CUBA! ABAIXO A DITADURA MILIT.....”

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