Do livro “Contos Delirantes com Versos em Bolero” – 2017
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O
condomínio Parque das Camélias fica situado no bairro do Janga, na cidade de
Paulista, Pernambuco. É um lugar calmo e
pacífico. Dentro do condomínio existe o pequeno boteco de seu Lula,
espaço onde, depois de uma boa caminhada ou um jogo de futebol no campo de
grama sintética ali existente, os jovens e os mais velhos vão beber umas “geladas”.
Em um
sábado, adentrou no condomínio um caminhão de mudanças e os trabalhadores
começaram a retirar móveis e caixas e a levá-los ao bloco 13 (exatamente onde
mora um amigo meu, o Antônio) para um apartamento do segundo andar, desocupado
já há três meses.
Quando
não tinham mais móveis ou caixas para levar ao apartamento, os carregadores, já
bem suados, dirigiram-se até o boteco de seu Lula e pediram água e
refrigerantes para aplacar a sede e o calor.
- E a
dona disse que vinha atrás no carro dela, seguindo a gente. Até agora nada! -
falou um deles.
Aquele
que parecia o motorista, porque não carregou para dentro nem um mísero
alfinete, encolheu os ombros.
- Ela
vem, sim! - rebateu - E a gente espera, porque temos de receber o pagamento
pelo serviço, né?
Não
demorou muito tempo para um Toyota de cor prata adentrar o condomínio e parar
logo atrás do caminhão de mudanças.
Dele
desceu uma mulher muito, muito bonita.
Todos
os homens puseram os olhos naquele pedaço de mau caminho, como bem salientou seu
Lula, o dono do boteco.
Morena
clara, olhos amendoados e verdes, cabelos castanhos deslizando pelos ombros,
indo quase até o meio das costas. Nariz arrebitado. Boca carnuda.
A jovem usava um curto short jeans colante, a mostrar um
traseiro empinado e saliente, a beleza das coxas e das pernas.
Uma blusa branca completava a indumentária, destacando os
seios, e esquentando ainda mais o quente sábado, fazendo com que os homens que
a olhavam ficassem mais suarentos ainda.
Com um andar semovente de fêmea no cio ela começou a transtornar
os machos ao redor. Dirigiu-se ao motorista do caminhão, tirou da bolsa um maço
de notas e uma folha de papel, pagou e recebeu do motorista o recibo assinado.
A seguir, agradeceu, e sem olhar para ninguém encaminhou o
esguio monumento ao bloco 13 onde entrou e desapareceu.
- Vamos ter confusão por aqui dentro de alguns dias! - profetizou seu Lula.
- Será que ela vai morar sozinha por aqui? – indagou Oriosvaldo,
que morava no bloco 10, um pouco mais
longe.
- Esquece Oriosvaldo, essa daí não é carne pra teu prato
brincou Valteir, que morava no bloco 9.
Antônio se dirigiu ao motorista do caminhão de mudanças e
fez algumas perguntas. Depois de receber as respostas, ele retornou, encheu o
copo de cerveja, tomou um gole e calmamente acendeu um cigarro.
- Diz, cara! Fala! Quem é aquele pedaço de mau caminho? - perguntaram
todos quase em uma só voz.
- Ela vai morar sozinha no bloco 13. Alugou o apartamento em
frente ao meu por seis meses. Foi o que o motorista do caminhão disse.
- Vamos ter confusão por aqui! Vamos ter... - continuou a profetizar
seu Lula.
Antônio, do alto de seus 50 anos, era casado e de bem com a
vida, filhos já adultos e esposa bonita e bem conservada.
Porém, como qualquer macho, não deixava de olhar para os atributos
de uma mulher, principalmente se a mulher fosse especial como essa que acabava de
chegar. Mas ficou calado e não disse uma só palavra.
Todos sabem como é o ser humano em matéria de querer se meter
na vida dos outros. Portanto, em menos de duas horas...
- O nome dela é Camila. Tem 28 anos. Solteira. Trabalha como
modelo. Já foi capa de revista. Figurou em um filme nacional. É carioca. Torce
pelo Flamengo. Vai passar seis meses aqui entre Olinda e Recife para posar para
uma revista masculina – espalhou Pedro Paulo, morador do bloco 12 e que era
conhecido por saber da vida de todos os moradores, ainda que esse mérito não
fosse dele, mas da mulher e da sogra, que morava com ele.
- Vai posar nua? Pra qual revista? - perguntaram todos ao mesmo
tempo.
- Que pedaço de mulher! Puta que pariu! Quero saber em que revista
ela vai sair nua, Pedro Paulo! - pediu seu Rogério, o septuagenário do
condomínio - Uma mulher desse tipo é puro Viagra.
- Tira o corpo, seu Rogério! - zombou Oriosvaldo - O senhor não tem mais nada duro
não!
- Tás pensando o quê, rapaz!? Quer experimentar pra ver? - conclamou
seu Rogério, levando a mão à virilha.
- Esse troço vai dar em merda! Ora, isso vai! - continuava
a profetizar seu Lula.
Os dias e semanas foram passando e a linda Camila pouco era
vista pelos moradores. Tudo porque ela saía às cinco da manhã e só retornava
perto da meia-noite, diariamente. E, nos fins da semana, ninguém a via, pois o
apartamento ficava fechado.
Dois meses se passaram. Nenhum acontecimento digno de nota e de comentários
envolvendo Camila.
Até que dona Neusa, uma viúva de 80 anos, fofoqueira
como ela só, e que morava sozinha no apartamento logo ao lado do de Camila resolveu
entrar em ação.
Juntou toda a mulherada do bloco 13 e dos outros blocos em
um sábado à tarde, no pátio, pertinho do lugar de onde os maridos bebiam no
boteco de seu Lula depois do jogo de futebol e abriu o verbo:
- Escuto e vejo com esses ouvidos e olhos que a terra há de
comer. É uma piriguete bem safadinha. Eu observo, eu escuto...
- Mas dona Neusa, pelo que me disseram, ela sempre
chega tarde do trabalho. E acorda cedo... - falou a esposa de Pedro Paulo.
- E geme, minha filha! Geme na cama de uma maneira que só deus
sabe...
- Eu nunca escutei gemido algum, dona Neusa! - disse
a mulher de Antônio.
- Eu acho que vocês têm é de vigiar seus maridos. Essa mocinha
deve ter seduzido todo mundo. Ela geme porque tem homem na cama. Deve estar
levando um por um de seus maridos para a cama dela. Cada noite fica com um.
- Que vergonha! Que safadeza! - exclamou a sogra de Pedro Paulo.
A mulher de Pedro Paulo não gostou da entrada da mãe na conversa
e falou ríspida:
- Não se meta nisso, mamãe!
- Com falta de respeito eu me meto, filha. Eu me meto! E concordo
com a Neusa! Tem cipó duro no meio! Ora, se tem!
Na mesa do boteco de seu Lula, os solteiros e os
casados observavam a reunião especial das mulheres.
- Chamo isso de inveja! - exclamou seu Lula - Por
isso que eu disse que vai ter confusão. E já começou!
- Quando um monte de mulher feia, mal resolvida e mal amada
se junta, pode apostar que vem merda por aí!... – disse seu Rogério, o
septuagenário, batendo no chão com a bengala.
- Que é isso, seu Rogério? Minha mulher não é desse
tipo não. Minha mulher é bonita e bem resolvida. Que é isso? - reclamou Pedro
Paulo.
- Também não concordo com o senhor não, seu Rogério!
- falou Antônio.
A acalorada discussão entre as mulheres sofreu uma pane repentina.
Os homens levantaram-se das cadeiras onde estavam sentados no boteco de seu Lula
e ficaram a olhar a beleza de Camila, em um short minúsculo e pequeno sutiã de
praia, a descer do Toyota que tinha estacionado ao lado de onde as mulheres
estavam reunidas.
Os olhos dos machos brilharam de excitação, observando a
linda mulher encaminhar-se direto para o local de reunião das matronas do
condomínio.
Todas se calaram, mas Camila ficou no meio delas. Ela pediu
para falar. As mulheres fizeram um círculo em volta de Camila, como os
jogadores de futebol fazem antes de começar o jogo e ficaram a escutá-la.
- Que diabo está acontecendo? - perguntou seu Lula.
Dez minutos depois...
Burburinho! Exclamações de júbilo! Gritinhos excitados!
A seguir aplausos e mais aplausos e todos vendo as mulheres
dando beijinhos umas nas outras e se abraçando e rindo satisfeitas como nunca. Dona
Neusa abraçou a linda Camila e ambas se encaminharam enlaçadas e alegres
para o bloco 13, seguidas pelas outras.
Aparvalhados e sem ter como explicar o motivo daquela radical
mudança de comportamento, os homens começaram a beber e a fumar cada vez mais
depressa. Apenas seu Lula estava com uma pulga atrás da orelha. Chamou
Pedro Paulo e pediu:
- Vai lá no bloco 13 e espiona. Pergunta à tua mulher.
Depois volta e conta pra gente o que significa essa coisa toda.
Pedro Paulo
aquiesceu e foi.
Vinte minutos depois, eis que ele volta e agora todos os solteiros
e casados estão de olhos e ouvidos atentos.
- Fala, homem! Diz! O que anda acontecendo?
Pedro Paulo soltou uma sonora gargalhada.
- Não dá para acreditar! - exclamou.
- Fala! Fala, homem! - gritou seu Lula.
- Aquele pedaço de mau caminho tem nome. Chama-se corrupção.
Ela comprou toda a mulherada daqui, principalmente dona Neusa.
- Que história é essa? - gritaram todos a uma só voz.
Pedro Paulo não parava de rir. Pediu uma cerveja e bebeu
até a metade pelo gargalo.
- Um filme! Um filme que ela vai fazer! Um comercial para TV!
Dona Neusa vai ganhar um papel no filme como a mãe dela, e minha sogra
vai ser a tia. A mulher de Antônio vai ser diarista.
- Que porra de filme é esse? - todo mundo agora estava morrendo
de curiosidade - Explica, Pedro!
- Os gemidos noturnos eram treinos de voz e fazem parte do roteiro
do filme. E dona Neusa e minha sogra vão atender à filhinha e à sobrinha
doente no filme com o remédio salvador, enquanto a diarista traz um copo com
água. E cada uma vai ganhar um cachê pela participação no valor de cinco mil
reais.
Pedro Paulo voltou a cair na risada, arrematando:
- E avisaram que precisam de um velhinho para fazer o papel
do vovô dela!
Os olhares de todos os homens recaíram, invejosos, sobre seu Rogério.
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