Conto inserido no livro ‘O Espelho da Alma Janela” (2009)
agraciado pela Academia Pernambucana de Letras (APL) em 1988, com o Prêmio Leda
Carvalho
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A mulher se aconchegava ao corpo do homem e
ele sentia uma como nuvem vaporosa de perfume inundar o quarto; os pelos
pubianos no se esfregar em suas coxas, umedecidos pelo desejo do sexo. As mãos
pequenas acariciando sua face, descendo corpo abaixo, rodopiando no ventre e aí
ele sentia, mais quente ainda, a união da carne, entrechoque de corpos
suarentos e a dança sob as cobertas dentro do escuro.
Tão pequenas são as horas! A obrigação o
mandava ir-se em pouco tempo e deixar a fêmea ainda quente dentro do querer
mais. Vestiu-se às pressas olhando o relógio. “Virgem! Quase dez da noite!
Tenho de ir!” Abre a janela e uma réstia de luz ilumina o quarto: o corpo nu,
moreno e exuberante da mulher ainda a chamar o seu, silenciosamente, ajoelhada
na cama imensa, saturnal sacerdotisa sobre o altar do sacrifício.
– Diacho! Já são horas! – resmunga o homem
– Deixa estar, volto na quarta-feira!
Pula a janela e cai no beco escuro. Olha em
volta para se certificar que não foi visto. Sorri lampeiro e sorrindo se vai. E
a vontade que tinha de uma reprise? Entrar novamente naqueles espaços úmidos e
macios de carne? Urrar feito um bicho do mato quando o seu sêmen escorresse
todo ali dentro?.. Que mulher! Que estouro de mulher! Mas... O diabo ama a
própria pele. É um cabra sabido e não iria ficar esperando o dono em chegança e
ser surpreendido dentro do harém. Pois não, isso fica lá pra outro... Beber
umas cervejas, ora bolas. Bem precisado disso estava. Misturar-se à noite,
espairecer o corpo e o espírito quase saturados de traquinadas.
A noite estava fria. Um vento forte
açoitava as árvores da estrada. Prenúncio de chuva.
*****
Às 23 horas e mais alguns poucos minutos, o
automóvel estacionou em frente ao bar e dele desceram dois homens. A algazarra
entre conversas e risadas amainou lentamente até silenciar por completo. Um dos
homens, barba fechada e óculos escuros, impróprios para a hora, se dirigiu até
Luizinho com as mãos nos bolsos do blusão de couro. O outro homem, cara
amarrada, se encostou ao carro sob os olhares dos espectadores (à essa altura
tontos e assustados), espingarda 12 nos braços cruzados, pouca exibição,
vigiando os movimentos do pessoal.
Tudo aconteceu depressa. Ouviu-se um
estrondo como pneu de carro morrendo na estrada, barulho de copos a se quebrar
e de algo mais pesado caindo no chão. O homem barbudo se virou de leve, sorriu
para todos, guardou o 38 no bolso esquerdo do blusão de couro e voltou
serenamente para o carro como se a pressa não existisse ou fosse essa a ocasião
mais imprópria para ela existir. Dentro do veículo, ao volante, motor já ligado,
estava seu companheiro, esperando. Após a entrada do barbudo, o carro fez
meia-volta e sumiu na esquina, deixando atrás de si a poeira da estrada e no
bar o corpo de Luizinho no chão de cerâmica, o sangue a escorrer do buraco na
testa, gorgolejando lúgubre.
Aos poucos, a algazarra anterior retornou,
motivada ainda mais pelo novo assunto. Alguém telefonou à Polícia. Outro alguém
ao hospital mais próximo.
– É nisso o que dá trepar com as putas dos
outros – sentenciou o dono do bar.
*****
Ela parecia esperar o epílogo de algum fato
muito importante. Algo que demorava a chegar viria agora para seu conhecimento
e talvez para seu próprio prazer.
Estava parada à janela observando a rua
deserta. A hora parecia muito própria para acontecimentos difíceis. As trevas
ajudavam a pensar.
Despiu a camisola e a jogou na cabeceira da
cama. Segurou os seios nas palmas das mãos, sentindo-os firmes. Sentiu-se
orgulhosa. Acariciou o ventre e levou os dedos da mão direita a navegarem em
círculos sobre a pele sensível do sexo, fazendo com que sua memória lá por
dentro de suas velhas fantasias, sorrisse amplamente. Talvez (poder-se-ia
saber?) lembranças de um passado de há pouco.
O que viesse, esperava. Como sempre
venceria. Não seria surpresa. Algo sempre de sua natureza vencer. Coisa
natural.
A porta do quarto se abriu e a luz ao ser
acesa ofendeu os seus olhos acostumados à penumbra. Sorriu de leve para o homem
carrancudo andando em sua direção após estrondar o quarto batendo violentamente
a porta. Sentiu o hálito na sua face, quente e sabendo a fumo barato. Sentiu as
mãos suadas apertando sua garganta e ouviu a voz áspera insultá-la:
– Sua puta! Puta safada!
Continuou sorrindo. As mãos rudes e calosas
do homem pouco a pouco, devagarzinho, apertando seu pescoço. Como última
instância, deslizou a mão direita para dentro das calças largas do homem e
começou acariciando suavemente, destemerosa, o registro adormecido do macho e
este, de repente, hesitante, enrijeceu-se ao contato, aos poucos desapertando o
aperto, se deixando levar, leve, leve, leve como pluma, cãozinho abandonado,
ingênuo palhaço de uma cotidiana opereta urbana.
O
vento assobiou pela janela e a chuva explodiu sobre o telhado.
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