Prefácio do
jornalista Evaldo Costa para o livro “Loucura” (2018) de Rafael Rocha
Já
houve – e ainda há – poetas que escrevem vestindo fraque e cartola. E os que fazem
poemas diante do espelho, mirando e namorando a própria imagem refletida.
Numa
esquina de Belo Horizonte, perto de uma velha livraria, Drummond viu e anotou: “O
poeta municipal discute com o poeta estadual qual deles é capaz de bater o
poeta federal. Enquanto isso o poeta federal tira ouro do nariz“. João
Cabral de Mello Neto gravava na pedra, a cinzel, versos agudos como navalhas, facas
só lâmina.
Há
poetas da palavra, poetas dos sonhos e dos pesadelos. Poetas de poesia diáfana e poetas que se lambuzam na matéria humilde,
dispersa e apodrecida no chão úmido e fétido dos pântanos. Há poetas que entregam
poemas concretos como everestes. E outros de fala macia e de dicção molenga como
se escrevessem deitados em almofadões.
Há
poetas que gritam hexâmetros destrambelhados
e poetas que sussurram versos inaudíveis. Há poetas das esquinas angulosas e loucamente movimentadas
das metrópoles e poetas dos áridos (de)sertões e das terras esquecidas. Há
poetas que pescam versos nos bares e puteiros e os que, no claustro, tecem
elegias místicas, apaixonados por uma vida além da matéria.
Há
poetas que manejam bisturis e traçam cortes precisos na carne e outros que manejam
foices e martelos e dilaceram, estraçalham, despedaçam, num misto de desespero
– porque acham que tudo está perdido – e de ânsia de sobrevivência, pois desconfiam
não haver nada além desta vida.
Rafael Rocha, autor deste Loucura, pertence
a esta última categoria.
Ninguém ouse inquiri-lo sobre os segredos de
sua poética, tecnicalidades que admira nos grandes e rejeita para si mesmo. Como Bandeira, ele está farto do lirismo comedido.
Do lirismo bem comportado. Do lirismo funcionário público com livro de ponto,
expediente, protocolo e manifestações de apreço.
A
poesia de Rafael despreza a contabilidade silábica e se espraia na página em
direção às margens, sonhando mimetizar vendavais e tsunamis.
O
poeta Rafael Rocha vocifera mesmo quando fala de amor e destempera mesmo
quando entoa tons e semitons. O poeta quer tão gulosamente devorar a vida que
nunca dorme, apenas, de vez em quando, desfalece. Por consequência, ele jamais
desperta, na verdade, subitamente renasce de uma pequena e sobressaltada morte.
Os
poemas que compõem este volume são dominados por certa ideia de desconformidade
– a que dá nome de loucura. A própria palavra-título é mencionada 31 vezes nos
diversos textos, enquanto outras como insanidade, insano, louco e louca também
aparecem em outros poemas.
Este
livro Loucura, obra de um poeta que não se enquadra nem se
amofina, chega grávido de revolta e solidão, clamando para ser lido em voz alta e usado como arma contra a mesmice e o
conformismo.
Não
interessará aos bem pensantes e bem postados. Que se fodam! Rafael escreveu
este Loucura justamente para dizer que nada tem a ver com essa
gente. Escreveu para quem tem sede de liberdade e de justiça.
E
fez muito bem.
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