sexta-feira, 28 de junho de 2019

GRÁVIDO DE REVOLTA E SOLIDÃO – Evaldo Costa



Prefácio do jornalista Evaldo Costa para o livro “Loucura” (2018) de Rafael Rocha

Já houve – e ainda há – poetas que escrevem  vestindo fraque e cartola. E os que fazem poemas diante do espelho, mirando e namorando a própria imagem refletida.
Numa esquina de Belo Horizonte, perto de uma velha livraria, Drummond viu e anotou: “O poeta municipal discute com o poeta estadual qual deles é capaz de bater o poeta federal. Enquanto isso o poeta federal tira ouro do nariz“. João Cabral de Mello Neto gravava na pedra, a cinzel, versos agudos como navalhas, facas só lâmina.
Há poetas da palavra, poetas dos sonhos e dos pesadelos. Poetas de poesia  diáfana e poetas que se lambuzam na matéria humilde, dispersa e apodrecida no chão úmido e fétido dos pântanos. Há poetas que entregam poemas concretos como everestes. E outros de fala macia e de dicção molenga como se escrevessem deitados em almofadões.
Há poetas que gritam hexâmetros  destrambelhados e poetas que sussurram versos inaudíveis. Há poetas das esquinas angulosas e loucamente movimentadas das metrópoles e poetas dos áridos (de)sertões e das terras esquecidas. Há poetas que pescam versos nos bares e puteiros e os que, no claustro, tecem elegias místicas, apaixonados por uma vida além da matéria.
Há poetas que manejam bisturis e traçam cortes precisos na carne e outros que manejam foices e martelos e dilaceram, estraçalham, despedaçam, num misto de desespero – porque acham que tudo está perdido – e de ânsia de sobrevivência, pois desconfiam não haver nada além desta vida.
Rafael Rocha, autor deste Loucura, pertence a esta última categoria.
 Ninguém ouse inquiri-lo sobre os segredos de sua poética, tecnicalidades que admira nos grandes e rejeita para si mesmo. Como Bandeira, ele está farto do lirismo comedido. Do lirismo bem comportado. Do lirismo funcionário público com livro de ponto, expediente, protocolo e manifestações de apreço.
A poesia de Rafael despreza a contabilidade silábica e se espraia na página em direção às margens, sonhando mimetizar vendavais e tsunamis.
O poeta Rafael Rocha vocifera mesmo quando fala de amor e destempera mesmo quando entoa tons e semitons. O poeta quer tão gulosamente devorar a vida que nunca dorme, apenas, de vez em quando, desfalece. Por consequência, ele jamais desperta, na verdade, subitamente renasce de uma pequena e sobressaltada morte.
Os poemas que compõem este volume são dominados por certa ideia de desconformidade – a que dá nome de loucura. A própria palavra-título é mencionada 31 vezes nos diversos textos, enquanto outras como insanidade, insano, louco e louca também aparecem em outros poemas.
Este livro Loucura, obra de um poeta que não se enquadra nem se amofina, chega grávido de revolta e solidão, clamando para ser lido em voz  alta e usado como arma contra a mesmice e o conformismo.
Não interessará aos bem pensantes e bem postados. Que se fodam! Rafael escreveu este Loucura justamente para dizer que nada tem a ver com essa gente. Escreveu para quem tem sede de liberdade e de justiça.
E fez muito bem.

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