Do livro “SANGRAMENTO” incluído na coletânea “POETAS DA IDADE
URBANA” - 2013
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O Recife canta a noite vagabunda:
Carne feminina em versos errantes.
Na aurora dos dias até a concórdia.
Aos arrecifes marcando distantes
As ondas atlânticas em boa viagem
Molhando as areias e corpos vadios.
Mulheres despidas de amor na paisagem.
Crianças sonhando castelos de areia.
Olhando o horizonte o poeta semeia
A profundeza do sol que permeia
As luzes mortiças do meio da tarde
O fantástico domingo nos arde.
E o sonho completo está lá dormindo
Nos ventres das belas fêmeas da terra.
Na lua a brilhar nas águas dos rios
Onde os desvarios de almas encerram
Percalços maiores de dias perdidos
Nascidos em camas e berços vulgares
Por onde as chamas dos outros fulgores
Olhavam o poente de outros lugares
Trazendo paixão no meio das dores
Das solidões marcando momentos
Que de tão piores são sentimentos
Na segunda-feira trabalho e tormentos.
E no centro da mais velha rua formosa
Entrando nos toques do maracatu
A bela morena se vem dadivosa
Noitejar o dia no
cruzeiro do sul.
Como se a vida se lhe fosse um delito
A renascer morto em pleno carnaval
O homem abraça a carne e seu grito
Reflete o escorrer do débil mental.
O beijo na boca... Ah, louco conflito!
Germina a paixão em amor casual
No odor maresia das praias de Olinda
É só terça-feira. Um dia banal!
Anda o caminheiro de horas fugazes
Buscando o liberto olhar varonil
Do espaço neutro das horas verazes
De coisas rapaces ao seu ser fugidio.
O frevo constante martelando a pele
Traz o guerrilheiro mais que sombrio
Na liberdade de pernas e braços
A tentar abraços no leito dos rios.
E quando o corpo aceita o mormaço
É nesse cansaço acalmado seu frio
No espaço dos brilhos do maior abraço
Da quarta-feira: um dia sombrio!
E disse um poeta ao falar do azul
De tantos verdes a terra estremece
Se do amarelo a pátria envaidece
Nos grandes leões a terra enriquece.
Homens, mulheres, crianças, idosos.
Brancos e negros, mulatos, cafuzos
Lá nos Guararapes deram-se fortes
As mãos da ideia contra os obtusos
Forjados amantes de antigos grilhões
Inimigos dos
pernambucos rincões
E da raça guerreira da rua da praia
Na quinta-feira de um sol dissoluto.
O Recife canta a noite vagabunda
Nos bares noturnais das sextas-feiras.
Roubando corpos e almas oriundas
Desde o 1817 das trincheiras.
Do buraco do mar nascem gemidos
Do Cabugá, do Caneca e das quimeras.
O Recife dança a valsa vagabunda
Nas noites longas dessas sextas-feiras
Homens, mulheres e agitações noturnas
Vindas das mais antigas roubalheiras
Das vestes papais e dos sacripantas
El-reis, rainhas e padres e suas freiras.
Nasce o sábado. Dia de luzes certas
Onde um poeta declamou em voz correta:
“Impossível
fugir dessa manhã.
Hoje é
sábado. Domingo é amanhã.
Onde
ninguém se gosta de se ter”.
Olhando o horizonte o cantador semeia
A profundeza do sol em si a nascer
As luzes mortiças do meio dessa teia:
Uma cerveja! Uma fêmea o enleia!
E crianças inda erguem castelos de areia...
Nunca é tarde para se buscar a liberdade.
A livretude deste sábado nos arde.
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