Do
livro “Contos Delirantes com Versos em Bolero” – 2017
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Eu
caminhava pelo centro da cidade do Recife.
Não
tinha nada para fazer nessa quarta-feira.
Entrei
pelo Cais de Santa Rita, pelo camelódromo fedorento e cheio de barracas que
tornam horrorosa a paisagem.
A brisa
vinda do oceano e do rio tornava o dia quente um pouco mais aconchegante.
Parei
em uma daquelas barracas do camelódromo, sentei à mesa e pedi uma cerveja.
Depois
de ser atendido por uma mulher gorda e morena, acendi um cigarro e tomei um
gole.
A
mulher gorda atendeu outra mesa, trazendo uma sopa de peixe para um senhor
careca e magro.
Notei
que ela estava com o dedo polegar dentro do prato, tocando na sopa.
Desviei
a vista. Não era da minha conta.
Logo a
seguir, a mulher gorda sentou-se quase em frente a mim, puxou um banquinho de
madeira e começou a cortar as unhas dos pés, deslizando o polegar de vez em
quando por entre os dedos.
Senti o
fedor do chulé no ambiente.
Devido à
sua redondez, ela tinha dificuldade de alcançar os dedos dos pés e quando
conseguia cortar uma unha ou limpar a sujeira entre os dedos, dava um longo
suspiro de alívio.
Depois
que ela terminou de cortar as unhas, fez um enorme esforço para se levantar e
se recompor.
Pedi
outra cerveja. Ela trouxe e perguntou:
- Não
vai comer nada?
Disse
que não. Queria apenas beber.
- A
sopa está muito gostosa. Você vai adorar. Temos sopa de carne e de peixe.
- Deixa
pra lá. Quero apenas beber. Estou de barriga cheia. Almocei faz pouco tempo.
Outro
freguês pediu um prato de sopa de carne e ela foi buscar.
Notei
que ela estava novamente com o dedo polegar dentro do prato e tocando a sopa.
- Será
que ela lavou as mãos? - perguntei aos meus botões.
Pareceu
até que ela tinha escutado, como se eu tivesse falado em voz alta, porque de
repente olhou para mim e sorriu, mostrando uma boca com vários dentes quebrados
e alguns bem enegrecidos.
Para
tapear, devolvi o sorriso de volta e então ela resolveu retornar até minha
mesa, parou ao lado e perguntou:
- Não
quer mesmo comer nada? Nem uma sopinha?
- Nada!
- respondi.
Após
receber minha resposta ela voltou a sentar no banquinho à minha frente e
começou de novo a coçar os dedos dos pés, arrancando devagar a pele suja que
tinha se acomodado entre eles.
Retirei
a vista e resolvi ficar bebendo. Apenas bebendo e fumando e pensando nos meus
problemas e no romance que estava quase a terminar de escrever. No entanto, com
ela sentada no banquinho na minha frente, mexendo nas frieiras dos dedos dos
pés, os meus pensamentos se idiotizavam em nojo.
Resolvi
sair dali. Paguei as cervejas e me retirei do camelódromo do cais de Santa
Rita.
Porém,
ainda estava com vontade de beber. Afinal de contas, a tarde era longa e eu não
tinha mesmo nada para fazer. Então encaminhei meu corpo até o Pátio de São
Pedro, entrei no Buraco do Sargento, pedi uma cerveja gelada. A morena que me
atendeu era dessas de fazer o diabo ganhar mais chifres. Linda demais. Corpo
feito um violão. Pernas... Ah! Que pernas!
Ela
sorriu para mim ao ver o quanto eu olhava para ela.
- Vai
apenas beber? Quer comer alguma coisa?
-
Depois... depois... depois... - respondi, sem tirar os olhos do corpo dela.
Fiquei
a beber minha cerveja e a fumar meu cigarro, continuando a fitá-la.
Então
não aguentei e a chamei:
- Como
é o seu nome? - perguntei.
- Tânia
- respondeu ela.
- Olha,
Tânia, acho que vou tomar um prato de sopa de peixe. Tem?
- Temos
sim, querido! Temos!
Enquanto
esperava a sopa pedi outra cerveja e fiquei a beber.
Dez
minutos depois vejo Tânia trazendo a sopa e com o dedo polegar dentro do prato
a tocar a sopa. Sorri para ela. Nem quis imaginar onde ela tinha colocado o
dedo polegar antes de me trazer a sopa.
Afinal, era outro dedo e era outra mulher.
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