quinta-feira, 1 de agosto de 2019

OLHOS ABERTOS PARA A MORTE – Rafael Rocha


Sexto capítulo do livro homônimo lançado no ano de 2012 – Agraciado com Menção Honrosa pela Academia Pernambucana de Letras (APL) – Prêmio Vânia Souto Carvalho (2011)
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“Como é seu nome?” “O que você quer de mim, hein?” “Diga-me seu nome”. “Merda! Onde é que estou? Quem é você?” “Confirme seu nome”. “Tira essa luz de minha cara! Tira!” “Você não tem poder aqui dentro. Diga seu nome”. “Sérgio. Meu nome é Sérgio”. “Quero o nome completo. Diga”. “Que diabo é isso? Que é que você está querendo comigo?” “Seu nome, rapaz. Seu nome todo”. “Sérgio Lira. E agora? Pode explicar o que significa isso?” “Se você for inteligente vai descobrir logo. O que é isso aqui?”
Uma valise foi jogada sobre a madeira carcomida da mesa que se encontrava em frente ao rapaz. Ele tentou sair da cadeira, mas naquele instante notou que estava acorrentado a ela. As mãos presas nos braços do móvel. Sua cabeça começou a doer devido à pancada que tinha levado. Assim, um tanto zonzo, buscava entender o significado daquilo.
De repente, as luzes foram acesas. Incomodado com a claridade repentina, ele piscou os olhos. Viu três homens. Dois deles eram altos e cheios de músculos. Estavam sem camisas, mas tinham os rostos escondidos por capuzes negros. Sérgio começou a imaginar que tudo aquilo era um sonho. Estava habitando algum pesadelo, vendo imagens de carrascos da Idade Média. Logo a seguir, descobriu que tudo era real. O homem sem máscara - magro e totalmente vestido de negro - se aproximou dele e o esmurrou no queixo. Viu milhares de pontos estelares. “Isso não é brincadeira. Não pense que é brincadeira”.
Pôde ver então quem era o homem a interrogá-lo. Magro. Olhos grandes e frios como os de uma ave de rapina. Sentiu um sabor quente a deslizar pelas comissuras dos lábios. Sangue. Seu sangue. Um dos homens pegou um livro de capa azul que estava sobre a mesa e mostrou para ele. “O que é isso?”, perguntou o homem magro. “Um livro”, respondeu Sérgio. “Sei que é um livro. Não sou cego. Diga que livro é esse. Diga”. Com os olhos ofuscados devido à claridade da sala, ele fitou a capa do livro. Quase deixa escapar uma gargalhada. “O livro não é meu. É emprestado”, salientou. “Não quero saber disso! Quero que você diga que livro é esse”. Os olhos de Sérgio piscaram, olhando do livro para o homem magro. Notou que além dos olhos de ave de rapina, seu interlocutor tinha um nariz adunco, parecido com o bico de algum pássaro maldito. Observou que os olhos do homem permaneciam fixos nele. “Que livro é esse?”, escutou outra vez a pergunta. “História da Riqueza do Homem”, respondeu. “É para um trabalho da faculdade”. “Uma faculdade de Direito recomenda um livro desses? O tema não tem nada a ver com Direito.” “Não, não recomendou. Tomei emprestado de um professor”. “Qual professor? Esse professor tem nome?”
Sérgio baixou os olhos. Ficou calado. Dessa vez o homem não foi complacente. Fez sinal a um dos musculosos encapuzados, que, num átimo, agarrou o dedo mindinho da mão direita do rapaz e violentamente o dobrou para trás, quebrando-o na base. O grito de Sérgio balançou até as lâmpadas da sala. Um brado animal de dor como ele nunca tinha dado. O suor começou a escorrer por sua testa. A dor subia pelos músculos do braço até alcançar o cérebro, que começou a latejar de medo. Sua cabeça parecia que ia explodir para dentro.
“Vocês, estudantes de hoje, são engraçados. São uns otários alienados. Tanta gente por aí pedindo a obediência e respeito e vocês jogando fora a obediência e o respeito”, exclamou o homem magro. A dor impedia Sérgio de falar. Lágrimas escorriam dos seus olhos e se misturavam com o suor do rosto. A imensa dor que estava sentindo fazia com que ele deixasse de entender os fatos, as palavras, e tudo o que aquele homem dizia.
“Gostaria de saber que tipo de trabalho a faculdade manda vocês fazerem em cima de um livro assim”, continuou o homem magro a dissertar. “Também gostaria de saber sobre esse professor amigo seu. Aquele que emprestou a você o livro. Gostarei muito de conhecê-lo”.  Sérgio não conseguia juntar palavra com palavra, mas já estava começando a entender alguma coisa. “Merda!”, pensou. “Que desastre! Preciso sair dessa! Preciso!”
“Eu também gosto muito de ler, sabe? Tenho muitos livros em casa. Acho que você gostaria de saber que meu livro de cabeceira é um livro especial. Adoro ler esse livro, mas não vou dizer o nome dele. Você vai descobrir por si mesmo quando eu começar a trabalhar em você, rapaz”. O homem magro acendeu um cigarro e fez a fumaça escapar de encontro ao rosto de Sérgio. Depois, acenou para os dois outros homens encapuzados. Estes aquiesceram. Pegaram Sérgio pelos braços e o desacorrentaram. A seguir, levaram o rapaz para um catre existente no canto da sala, deitando-o no mesmo e novamente prendendo-o, com os braços abertos para cima, pernas também abertas. Tanto os braços como as pernas foram algemados nas cabeceiras do leito. O corpo ficou com a forma de um grande X. Depois, despiram o rapaz. 
“Dentro de algumas horas a gente vai conversar muito, meu jovem”, escutou a voz do homem magro ao pé de um dos seus ouvidos.  “Espero que você seja inteligente e responda bem direitinho a tudo que eu vou perguntar. Caso contrário os seus outros dedos vão sofrer mais, muito mais do que esse”. Dito e feito, o homem magro agarrou o dedo mindinho quebrado de Sérgio e ficou a mexer com ele para lá e para cá. O rapaz começou a gritar feito um alucinado. A urrar de dor como um endemoninhado. O homem magro riu e soltou o dedo mutilado. A seguir deu uma tragada forte no cigarro, jogando a fumaça novamente de encontro ao rosto do jovem. “Fique pensando no que vai contar para mim. Voltarei daqui a pouco”.

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