Sexto capítulo do livro homônimo lançado no ano de 2012 –
Agraciado com Menção Honrosa pela Academia Pernambucana de Letras (APL) –
Prêmio Vânia Souto Carvalho (2011)
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“Como é seu nome?” “O que você quer de mim, hein?” “Diga-me seu nome”. “Merda! Onde é que
estou? Quem é você?” “Confirme seu nome”.
“Tira essa luz de minha cara! Tira!” “Você
não tem poder aqui dentro. Diga seu nome”. “Sérgio. Meu nome é Sérgio”. “Quero o nome completo. Diga”. “Que
diabo é isso? Que é que você está querendo comigo?” “Seu nome, rapaz. Seu nome todo”. “Sérgio Lira. E agora? Pode
explicar o que significa isso?” “Se você
for inteligente vai descobrir logo. O que é isso aqui?”
Uma valise foi jogada sobre a
madeira carcomida da mesa que se encontrava em frente ao rapaz. Ele tentou sair
da cadeira, mas naquele instante notou que estava acorrentado a ela. As mãos
presas nos braços do móvel. Sua cabeça começou a doer devido à pancada que
tinha levado. Assim, um tanto zonzo, buscava entender o significado daquilo.
De repente, as luzes foram
acesas. Incomodado com a claridade repentina, ele piscou os olhos. Viu três
homens. Dois deles eram altos e cheios de músculos. Estavam sem camisas, mas
tinham os rostos escondidos por capuzes negros. Sérgio começou a imaginar que tudo
aquilo era um sonho. Estava habitando algum pesadelo, vendo imagens de
carrascos da Idade Média. Logo a seguir, descobriu que tudo era real. O homem
sem máscara - magro e totalmente vestido de negro - se aproximou dele e o
esmurrou no queixo. Viu milhares de pontos estelares. “Isso não é brincadeira. Não pense que é brincadeira”.
Pôde ver então quem era o homem a
interrogá-lo. Magro. Olhos grandes e frios como os de uma ave de rapina. Sentiu
um sabor quente a deslizar pelas comissuras dos lábios. Sangue. Seu sangue. Um
dos homens pegou um livro de capa azul que estava sobre a mesa e mostrou para
ele. “O que é isso?”, perguntou o
homem magro. “Um livro”, respondeu Sérgio. “Sei
que é um livro. Não sou cego. Diga que livro é esse. Diga”. Com os olhos
ofuscados devido à claridade da sala, ele fitou a capa do livro. Quase deixa
escapar uma gargalhada. “O livro não é meu. É emprestado”, salientou. “Não quero saber disso! Quero que você diga
que livro é esse”. Os olhos de Sérgio piscaram, olhando do livro para o homem
magro. Notou que além dos olhos de ave de rapina, seu interlocutor tinha um
nariz adunco, parecido com o bico de algum pássaro maldito. Observou que os
olhos do homem permaneciam fixos nele. “Que
livro é esse?”, escutou outra vez a pergunta. “História da Riqueza do
Homem”, respondeu. “É para um trabalho da faculdade”. “Uma faculdade de Direito recomenda um livro desses? O tema não tem
nada a ver com Direito.” “Não, não recomendou. Tomei emprestado de um
professor”. “Qual professor? Esse
professor tem nome?”
Sérgio baixou os olhos. Ficou
calado. Dessa vez o homem não foi complacente. Fez sinal a um dos musculosos
encapuzados, que, num átimo, agarrou o dedo mindinho da mão direita do rapaz e
violentamente o dobrou para trás, quebrando-o na base. O grito de Sérgio
balançou até as lâmpadas da sala. Um brado animal de dor como ele nunca tinha
dado. O suor começou a escorrer por sua testa. A dor subia pelos músculos do
braço até alcançar o cérebro, que começou a latejar de medo. Sua cabeça parecia
que ia explodir para dentro.
“Vocês, estudantes de hoje, são engraçados. São uns otários alienados.
Tanta gente por aí pedindo a obediência e respeito e vocês jogando fora a
obediência e o respeito”, exclamou o homem magro. A dor impedia Sérgio de
falar. Lágrimas escorriam dos seus olhos e se misturavam com o suor do rosto. A
imensa dor que estava sentindo fazia com que ele deixasse de entender os fatos,
as palavras, e tudo o que aquele homem dizia.
“Gostaria de saber que tipo de trabalho a faculdade manda vocês fazerem
em cima de um livro assim”, continuou o homem magro a dissertar. “Também gostaria de saber sobre esse
professor amigo seu. Aquele que emprestou a você o livro. Gostarei muito de
conhecê-lo”. Sérgio não conseguia
juntar palavra com palavra, mas já estava começando a entender alguma coisa.
“Merda!”, pensou. “Que desastre! Preciso sair dessa! Preciso!”
“Eu também gosto muito de ler, sabe? Tenho muitos livros em casa. Acho que você
gostaria de saber que meu livro de cabeceira é um livro especial. Adoro ler esse
livro, mas não vou dizer o nome dele. Você vai descobrir por si mesmo quando eu
começar a trabalhar em você, rapaz”. O homem magro acendeu um cigarro e fez
a fumaça escapar de encontro ao rosto de Sérgio. Depois, acenou para os dois
outros homens encapuzados. Estes aquiesceram. Pegaram Sérgio pelos braços e o
desacorrentaram. A seguir, levaram o rapaz para um catre existente no canto da
sala, deitando-o no mesmo e novamente prendendo-o, com os braços abertos para
cima, pernas também abertas. Tanto os braços como as pernas foram algemados nas
cabeceiras do leito. O corpo ficou com a forma de um grande X. Depois, despiram
o rapaz.
“Dentro de algumas horas a gente vai conversar muito,
meu jovem”, escutou a voz do homem magro ao pé de um dos
seus ouvidos. “Espero que você seja inteligente e responda bem direitinho a tudo que
eu vou perguntar. Caso contrário os seus outros dedos vão sofrer mais, muito
mais do que esse”. Dito e feito, o homem magro agarrou o dedo mindinho
quebrado de Sérgio e ficou a mexer com ele para lá e para cá. O rapaz começou a
gritar feito um alucinado. A urrar de dor como um endemoninhado. O homem magro
riu e soltou o dedo mutilado. A seguir deu uma tragada forte no cigarro,
jogando a fumaça novamente de encontro ao rosto do jovem. “Fique pensando no que vai contar para mim. Voltarei daqui a pouco”.
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