Este é um espaço para divulgar contos e poemas de minha autoria já publicados em livros.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2023
PRISÃO - Rafael Rocha
Drummond
escreveu um dia que
“O pássaro é livre na prisão do ar.
O espírito é livre na prisão do corpo”.
E agora eu vivo:
Na prisão fugindo de um perigo invisível
Tentando renovar meu tempo no tempo
Longe e muito longe dos amados
Irmãos, irmãs, amigas e amigos.
Grito ao monitor do notebook
Minha vontade de ser livre.
Sair dessa prisão e voar e voar
Voar meu corpo sobre as montanhas...
Mas não sou pássaro
E estou com medo do momento...
Com medo das ruas...
Com medo do ar...
FAROL - Rafael Rocha
Igual a um
farol nos arrecifes
ilumino o
grande navio e seus marujos.
Busco avisar sobre
os abismos nas águas
com minha luz
rápida e voadora
de norte ao sul
e de leste a nordeste.
Um
farol obstinado a espalhar
claridade
sobre as grandes ondas.
Com a luz vou criando trilhas
nas
águas verdes e agitadas do oceano
com
a audácia de minha linguagem.
O grande navio
e os seus tripulantes
pedem pelo
clarão da estrela-guia.
- Ela é o
caminho para o albergue
e à
visualização de um ótimo porto
onde a
esperança aguarda os marinheiros.
Todos
eles buscam a potente luz,
vagueando
de norte a sul ao leste
e
ao nordeste do turbulento mar.
Clarão
que tenta salvar vidas
e
impedir o naufrágio do grande barco.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2023
ÔMEGA & ALFA - CANTO 2 - Rafael Rocha
-apareceu do instante de onde olhos traziam promessas----------de paixões nuas e entrelaçadas nos mangues e nas marés-------apareceu vindo do Nada escrito na voz profética--------da terra ameaçada por extintos vulcões e por grandes secas-------chegou para desiludir os adoradores das mentiras-------pronto para encadear estrofes imagéticas---------------decepando cérebros virgens da humanidade louca--------------------
CANTARES II - Rafael Rocha
Profetizo o verso ainda não posto à mesa.
E
neste limiar que pretende ser eterno
Crio
marcos e marcas para todos os viajantes
E
delimito no infinito do horizonte
A
dor escondida guardada dentro dos homens
Até
alcançar este infinito cheio de mim
(11)
Agora fiquemos sós.
Ainda temos tempo.
Nossos refúgios são seguros.
Estou olhando para a terra
E nela vejo uma força radiante.
Não preciso que você olhe para mim.
Não sou forte nem tenho intento insidioso
Mas não estou assim tão adormecido.
Quero atrair você para uma missão conjunta
Aos momentos em que trocamos
Ideias e argumentos.
“Qual será a missão?” Eis a pergunta.
Olhe:
As ruas estão perigosas e os seres humanos
Têm suas almas sonâmbulas programadas
Por vídeos televisivos.
Por mentiras oficiais.
Não se preocupe!
O mundo tem conserto.
Vamos entrelaçar nossas ações
Como cordas emaranhadas
A amarrar os navios do porto.
(12)
Fiquemos sós.
Tenho a intenção de amar
A sua ação esplêndida
Nos nascentes e nos poentes
Das fronteiras deste planeta.
E desejando olhar bem para dentro de mim
Você verá minha postura de guerrilheiro
Cumprindo um caminho evolutivo
Sem precedentes.
“Quem és?” Eis outra pergunta.
Olhe:
Na amplidão de todas as nossas madrugadas
Sempre aparecem as cinzas das inverdades.
Jogo-as pela janela do meu quarto.
Mas não se preocupe.
Não vou jogar fora as cinzas reais do passado.
Quero fazê-las voar célere ao seu encontro
Como a luz de uma estrela
Que só hoje
alcançou a terra.
(13)
Em verdade, em verdade vos digo:
A vida dos melhores humanos
Está jogada na sarjeta
E é por esse motivo que precisamos ficar a sós
E fazer um estudo dinâmico daquilo que somos.
Hoje é uma noite de inverno.
Ela é fria.
A ventania entra pela janela do meu quarto
Trazendo os gritos dos guerreiros iguais a nós.
Em verdade, em verdade vos digo:
Somos muito mais do que habitantes das sarjetas
E por essa questão temos de ficar a sós
Para realizar os sonhos dos visionários.
(14)
Em verdade vos digo:
Quando as paisagens da terra eram outras
O homem era muito mais feliz do que hoje.
Mas ainda há tempo
Para moldar uma nova mística
E para plantar uma semente
Mais formosa de planta.
Por isso temos de ficar a sós.
Eu e você.
Somos os únicos a compreender a nudez
A beleza, a dor, a alegria
E a verdade das coisas.
Em verdade, em verdade vos digo:
Podemos fazer o vento
Carregar mensagens otimistas
Para todos os deserdados do planeta.
(15)
Fiquemos sós!
Vamos enrodilhar nossos dedos uns nos outros.
Vamos amalgamar nossos cérebros para a luta.
Ao longo das grandes avenidas
Ninguém se fala mais.
Ninguém mais se olha para entender
As substâncias dos rostos e dos corpos.
O homem hoje ri ao matar seus semelhantes
E ao olvidar seus ancestrais
Sem chorá-los pelas suas perdições.
“Que faremos?” Eis outra questão.
Nada! Não faremos nada e faremos tudo!
Ficaremos sós para profetizar o novo tempo.
Ficaremos sós para ver
A verdadeira história ir e voltar.
(16)
A luz de sua imagem na plena madrugada
É uma condensação de paixão para meus olhos.
Em verdade, em verdade vos digo:
Haverá um tempo em que nos encontraremos
Arrependidos de nada termos sido
Tanto um para o outro
E de nada termos feito de bom
Do outro para o um.
Assim é necessário ficarmos sós
Criando tempo de mim e tempo de você.
Tentando ser ousados na criação e nas decisões.
Nos palácios, os opressores de hoje
Riem de nossos anelos
Mas nós daremos rédeas à imaginação
Quando ficarmos sós.
(17)
Nosso ficar a sós servirá
Para perturbar todo o universo.
Servirá para acabar com as leis dos “dinossauros”.
Para uma olhadela melhor às auroras.
Servirá para um mergulho fundo
Dentro de cada poro nosso.
Em verdade, em verdade vos digo:
Iremos implodir milhões de silêncios
E criar novas estrelas
Para iluminar nossas futuras madrugadas.
(18)
Fiquemos sós.
“Queres ficar a sós comigo?”
Venha então!
Conheceremos melhor
As vitórias e as derrotas.
Nas rugas de nossas peles
Saberemos quem somos
Para onde vamos
E qual o objetivo desta missão.
Em verdade vos digo, ó homem simples:
O saber dos sonhos cria em mim o dom da palavra.
O saber das lutas cria em mim o desejo da vida.
Em verdade vos digo: ao ficarmos sós
Entraremos em contato
Com todas as raças do mundo.
domingo, 3 de dezembro de 2023
ELEFANTES BRANCOS MATAM MARIPOSAS (contos) - Rafael Rocha
PNEU FURADO E SEM MACACO
Como estão hoje os meus companheiros de há quatro décadas?
Lembro de histórias e das mais arrematadas loucuras que fizemos em
bando pelas ruas do Recife e de Olinda lá pelos anos entre 1977 e 1980.
Sei que eles não mais estão a fazer aquelas farras homéricas e
talvez seja uma tolice cair nesse despenhadeiro e relembrar fatos passados, mas
como disse o Zeca, as histórias têm de ser contadas e, além disso, escritas.
- E quem melhor do que você para escrever elas, porra!? -
perguntou Zeca.
Não sei se devo carregar a responsabilidade de escrever essas
histórias, ainda que estivesse participando do grupo e me aventurando em
espaços quase loucos da vida.
- Ao menos uma! - pediu Zeca.
Sentados no bar Mustang, na
Avenida Conde da Boa Vista, numa noite de sexta-feira, logo após sairmos das
aulas na Universidade Católica, matutávamos para onde deveríamos ir.
Éramos cinco. Eu, Marcus, Evaldo, Henrique e Gilson.
Lá pelas tantas, ou seja, já depois da meia-noite quando nem havia
mais ônibus pelas ruas, Henrique tomou a resolução.
- O Zeca disse que depois de sair da aula iria beber em Olinda. Lá
no Bar Maconhão, à beira-mar do Carmo. E que se a gente quiser ir se encontrar
com ele... Vamos?
Não precisou nem de votação. Unanimidade.
O problema agora seria achar transporte. Os ônibus já estavam nas
garagens e não existia bacurau como hoje a funcionar de hora em hora. Ônibus
agora só às cinco da matina
Apenas os táxis notívagos realizavam viagens e esses táxis eram
fuscas de cinco lugares com o motorista.
- Vai ser complicado - disse Evaldo - Somos cinco e qualquer táxi
só leva quatro.
- Vamos tentar com aquele táxi que está ali parado - falou
Henrique – Pode ser que dê certo e ele leve nós cinco. Daqui para Olinda o cara
ganha uma boa graninha.
- Problemático... problemático... - resmungou Marcus.
Eu preferi ficar calado e deixar que eles resolvessem o problema.
Henrique e Marcus foram até o táxi e falaram com o motorista por
alguns minutos. Este, um senhor magro, cabelos grisalhos, olhou para a gente,
pensou um pouco e aceitou.
- Tudo certo - disse Henrique - Eu disse a ele que somos gente
fina, estudantes universitários e que queremos ir até Olinda para continuar a
farra. Ele aceitou levar, mas fez um pedido: a gente paga um extra para ele.
Nossa sorte, naquela época, foi a de não sermos os roliços
senhores que somos hoje devido à idade e às muitas cervejas. A magreza de cada
um ajudou.
- Bom! - disse o motorista - O maior e mais forte de vocês vem na
frente comigo. Os outros quatro se apertam no banco traseiro.
Gilson era o maior e mais forte. Ele se ajeitou na frente.
A arrumação no banco traseiro não foi muito fácil, mas
conseguimos. Fiquei até a perguntar aos meus botões se nós quatro tínhamos
engordado a lataria do carro por mais meio metro. Dito e feito, depois de todos
se arrumarem, o fusca táxi saiu normalmente com sua carga e rumou para Olinda.
Viagem tranquila até que saímos dos limites do Recife e entramos
nos de Olinda, quando, logo depois da Escola de Aprendizes Marinheiros, numa
área erma, o pneu dianteiro direito estourou.
- Porra! - exclamou o motorista - Que azar! Puta merda!
Tivemos de descer do fusca.
- Vamos trocar o pneu! - disse Henrique - A gente ajuda!
O motorista coçou a cabeleira grisalha. Encolheu os ombros e
falou:
- A merda é que estou sem macaco!
- Que beleza! - exclamei - Quero ver agora como vamos sair dessa!
E ainda teremos de pagar a corrida até aqui.
Henrique, porém, era cheio de ideias.
- Nada disso! Com macaco ou sem macaco vamos trocar o pneu e ir
para Olinda - falou.
- Como? - perguntou Evaldo.
Henrique olhou para o motorista e perguntou:
- Tem as ferramentas para desapertar os parafusos?
- Tenho, sim – apressou-se ele a dizer, abrindo o porta-malas
dianteiro, pois o motor do fusca fica na traseira, e de lá retirando um montão
de ferramentas, bem como o estepe.
- Ótimo! - exclamou Henrique, arrematando - Agora, vocês levantam
o carro aqui do lado direito e eu retiro o pneu estourado, mas vejam bem, vejam
bem, fiquem segurando o maldito fusca e não larguem o desgraçado. Não quero que
essa lataria despenque em cima de mim.
Fizemos o que ele mandou fazer.
Eu, Evaldo, Gilson e Marcus erguemos o fusca. O motorista ficou ao
lado de Henrique para ajudar, e este começou a agir.
Deu algum trabalho desparafusar tudo e retirar o pneu estourado
porque o local estava bem escuro e o motorista usava apenas um isqueiro para
clarear. De vez em quando o vento que vinha da orla marítima apagava a chama.
Mas Henrique conseguiu retirar o pneu e quando estava prestes a
colocar o novo, um automóvel Galaxie preto parou ao lado e dele desceram dois
homens com revólveres apontados em nossa direção.
- Parados! Polícia Federal! Fiquem parados e levantem os braços!
- Ninguém levanta os braços, porra nenhuma! - gritou Henrique,
deitado no chão ao lado do pneu dianteiro tentando encaixar o pneu novo.
O motorista do táxi saiu do lado de Henrique, levantou-se e se
encaminhou até os dois homens. Falou com eles durante algum tempo que pareceram
longas horas. As armas continuavam apontadas para a gente.
Mas não largamos o carro. Afinal de contas, o Henrique estava lá embaixo
e...
- Eles estão ajudando a colocar o pneu que estourou - explicou o
motorista - Estou sem macaco e eles tiveram que levantar o carro.
Um dos homens fez a volta e foi confirmar o que o motorista
falava. Olhou, guardou a arma num coldre axilar e disse para o companheiro:
- Relaxa e guarda a arma! Estão mesmo trocando o pneu! Vamos dar
uma mãozinha.
Os dois vieram, e ajudaram a levantar ainda mais o fusca,
facilitando o trabalho de Henrique.
Depois de tudo pronto, pneu novo colocado, carro no chão...
- Bom, vocês são rapazes corajosos. Ainda bem que fomos nós a
passar por aqui. Estamos perseguindo quatro comunistas que fugiram do quartel
general lá do Derby. E quando vimos vocês...
Lembro que o regime de governo da época era a ditadura
civil/militar.
- Foi isso... Foi isso... - disse o outro homem - Tiveram sorte de
sermos nós. Outros teriam atirado primeiro e perguntado depois.
A seguir, entraram no Galaxie preto e partiram.
Ficamos a olhar uns aos outros. Até que o motorista quebrou o
silêncio.
- Como é? Vão ou não vão para Olinda?
Voltamos a nos ajeitar dentro do veículo e rumamos para a Marim
dos Caetés. Já estávamos loucos para beber.
Chegando na frente do Bar Maconhão, descemos, fizemos a vaquinha e demos o dinheiro ao Henrique
para ele pagar a corrida.
O motorista do táxi recebeu o dinheiro, contou, viu tudo certo,
deu uma risada gostosa e exclamou para Henrique:
- Imagina! Imagina! Achar que vocês eram comunistas!
E o Henrique, com o rosto escurecido de graxa, inclusive as duas
mãos, disse:
- Nunca mais você vai encontrar comunistas iguais à gente!
sábado, 2 de dezembro de 2023
CONTOS DELIRANTES COM VERSOS EM BOLERO - Rafael Rocha
O LAGO DE CARUARU
Um pequeno terremoto
aconteceu em Caruaru no dia 31 de outubro de 2012, durante a madrugada da quarta-feira.
A população ficou
assustada, mas todos os habitantes da cidade sabiam que de vez em quando
aconteciam esses pequenos tremores de terra.
Pela manhã, ficou mais
assustada ainda.
O estádio de futebol do
Central Sport Clube tinha desaparecido do mapa e em seu lugar nascera ou
despontara (difícil achar a palavra correta) um grande lago de águas
cristalinas.
A novidade causou uma
pequena revolução na cidade. Como aquele lago surgira assim do nada?
A prefeitura local
comunicou imediatamente o estranho fato ao Governo estadual e este levou ao
conhecimento do Governo federal.
Em questão de uma hora,
todas as redes de televisão do Brasil chegaram de helicóptero para divulgar o
inesperado acontecimento.
As emissoras de rádio
não paravam de transmitir notícias sobre isso e lamentavam o surgimento do
lago, pois daí a três dias, no domingo, o Central Sport Clube teria de jogar
uma partida de futebol pelo campeonato pernambucano contra uma equipe do
Recife.
E agora? O que fazer?
Geólogos, geógrafos,
engenheiros e cientistas de todos os cantos do país e do exterior começaram a
chegar à cidade. Todos queriam ver o estranho lago e também descobrir como ele
tinha tomado o lugar do estádio.
Parecia bruxaria!
Os habitantes de
Caruaru é que estavam felizes, principalmente os jovens e as crianças.
- Agora teremos praia!
Vai ser muito bom! - gritavam.
Algumas lanchas
especiais foram trazidas e toda a área interditada. Isso gerou várias
reclamações da oposição contra o prefeito e contra o governador.
- Não sabemos ainda o
que isso significa! - disse o prefeito para a reportagem - Temos de tomar todo
o cuidado e investigar o acontecimento. Depois, se não descobrirmos nada
perigoso, liberamos o lago.
Ns primeiras horas, a
vigilância foi extrema. Um rapaz terminou sendo preso no lado sul do lago por
ter pescado um grande dourado de água doce com uma rede de arrasto. Assim, ao
redor de todo aquele monte de água foram colocados cartazes dizendo: PROIBIDO
PESCAR!
O prefeito fez uma
reunião de emergência com todos os seus assessores. Um sorriso iluminava a sua
face. Na reunião, ele solicitou ao senhor Bruno Lagos, um dos engenheiros de
sua equipe, a montagem de uma nova estrutura hídrica.
- Agora não vai faltar
água e não teremos mais racionamento!
Os exploradores
científicos fizeram uma reunião à tarde. Não conseguiram descobrir nada sobre o
misterioso surgimento de tanto líquido no lugar do estádio de futebol.
- É um mistério! Que
coisa estranha! - diziam.
O dia terminou. O sol
desapareceu no horizonte. A lua nasceu e iluminou o grande lago. Porém,
milhares de pessoas queriam, porque queriam ver a surrealista aparição.
Os religiosos disseram
que aquilo era um milagre. Deus estava a falar com o seu povo através das
águas. Também solicitaram à prefeitura permissão para batizar as pessoas com as
novas águas.
Pouca gente dormiu
naquele dia e na quinta-feira. O lago era fantástico. O mundo inteiro já o
conhecia através da internet e das redes televisivas.
A madrugada da
sexta-feira chegou e pessoas e mais pessoas apareciam para ver in loco o fantástico lago. Policiais
fardados e outros à paisana tomavam conta da multidão para que nada acontecesse
com ela.
Lá para as quatro da
matina um grande nevoeiro começou a tomar conta de todos os espaços
circundantes àquelas águas, escondendo objetos, pessoas, veículos e tudo que
estivesse tanto no centro do lago como ao redor.
O denso nevoeiro foi
seguido por um forte perfume a entontecer o cérebro de todas as pessoas
presentes que aos poucos foram caindo numa modorra, desabando os corpos e
adormecendo.
Lá pelas oito da manhã
da sexta-feira, 2 de novembro, começaram a sair do torpor em que se tinham
vitimado.
As centenas de pessoas
recém-chegadas dos mais estranhos lugares do mundo e do país, juntas com os
milhares da população da cidade olharam-se umas às outras e começaram a se
perguntar o que estavam fazendo ali naquele espaço.
Não recordavam nada.
Muitas delas começaram
a acordar nas arquibancadas e até nos camarotes do estádio que tinha
reaparecido no lugar do lago.
Bruxaria ou sinal dos tempos?
FELIZES NA DOR - Rafael Rocha
felizes
na dor (*)
ponham os copos na mesa
acendam seus cigarros
tem litro de cachaça e muita cerveja
para rolar esta noite
estão cansados?
não existe cansaço para os notívagos
a eles é dada a solidão dos felizes na dor
duas horas da manhã
e vocês querendo mulheres e fodilanças?
eu serei bondoso mesmo que vocês fiquem bêbados
se alguém pegar aquele violão
abandonado lá no canto
e resolver cantar uma canção qualquer
conseguiremos espantar nossas mágoas de ébrios
elas não virão hoje
(puta merda!)
fiquem certos disso
elas são sombras decaídas e nos odeiam
por sermos tão honestos e sensíveis
e por bebermos a vida e por fumarmos a vida
ainda quero que alguém pegue o violão abandonado
e dê voz a uma canção cheia de putaria
e tu ainda diz - meu deus que
grande farsa!?
- bebe o líquido amargo de tua cerveja, porra!
estás mais perto do nada que esse deus
esse abominável!
esse trágico comediante das
esferas celestes
que prega a morte como culto
e deixa matar o próprio filho
para salvar os homens de suas merdas
na verdade, vos digo, na verdade
e agora sou eu o vosso profeta
“se quer saber onde está deus, pergunte a
um bêbado”
(essa frase é do bukowski, outro amigo desta merda de vida!)
o bêbado tem mais consciência
da localização da mentira que um homem sóbrio
deixa que o violão toque sozinho
todas as canções do mundo
elas não cabem em nossas cabeças
que só pensam em mulheres
nos cigarros e nas cervejas
e nas ingratidões da vida
mas continuem a encher os copos
quero todos bêbados e voláteis
dançarinos de suas próprias infelicidades.
* (Escrito e falado por mim na bela
cidade do Recife
no
bar MANSÃO DO FERA no louco ano de 1980, quando as
merdas
da vida eram mais reais que as merdas religiosas)
NOTURNOS - Rafael Rocha
NATAIS
Nos
tempos dos natais hoje desaparecidos
a
felicidade dominava a casa. Tudo era festa.
Todos
estavam vivos regurgitando alegrias
e
criando algo igual a uma tradição divina.
Nos
tempos dos natais hoje desaparecidos
meus
irmãos faziam a festa com vodca.
Meus
pais davam-se as mãos e beijavam a vida.
Eu
olhava e imaginava a solidão que chegaria
quando
todos começassem a partir.
Nos
tempos dos natais hoje desaparecidos
o
mundo era repleto de humanos viventes
-
Avós, tios e tias, pais e mães, irmãos e irmãs -
(hoje
possuímos muitos mortos para chorar)
Nos
tempos dos natais hoje desaparecidos
a
vitrola tocava sambas e frevos e boleros
e
os corpos se colavam para as danças.
As
iguarias na mesa faziam convites gulosos.
A
cerveja, o champanhe, a vodca e o uísque
idealizavam
as ressacas do dia seguinte.
Nos
tempos dos natais hoje desaparecidos
tudo
era motivo para abraços e beijos
e
ninguém estava morto!
TIQUE-TAQUES 1984 - Rafael Rocha
Os meus gestos possuem anos.
Meus pés marcaram muitos caminhos.
Escrevi poemas horríveis
e outros que me fizeram chorar.
Muitas gotas de suor deslizaram na carne.
Várias ilusões morreram nas estradas.
Amei e odiei e desprezei e fui triste e
alegre.
Vou passando! Muitos outros já passaram!
Cresci em carne e vou me nivelar em terra.
Fui prisioneiro de uma casta
dentro das minhas velhas roupas.
E nas ruas anoitecidas das cidades
desperdicei meu esperma nos ventres
e nas bocas das mulheres do mundo.
Perguntei sobre a falta de vulcões ativos
e por qual motivo os terremotos não nos
chegam.
Assim criei um grandioso tédio
vomitado como o do bêbado contumaz.
Perdi tempo e dinheiro nas grandes lojas.
Deixei de marcar o ponto no trabalho.
Porém, todas as noites eu me sento à mesa
e – acho uma graça isso! – escrevo poemas
que não serão lidos por ninguém.
E agora se tento explicar algo em profundo
essa é apenas minha angústia de viver.
Ser um tolo ou um doente sem remédio
buscando as inúmeras cores das palavras
o tema mais definitivo e mais suave e puro
de meus antigos gestos de herói.