domingo, 7 de julho de 2019

A MENINA DOS AMENDOINS – Rafael Rocha



Conto inserido no livro ‘O Espelho da Alma Janela” ( 2009) agraciado pela Academia Pernambucana de Letras (APL) em 1989, com o Prêmio Leda Carvalho
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Seu maior desejo quando saiu do cinema, às 17h, foi o de beber diversos copos de cerveja. Não estava com pressa. Sem ter mais o que fazer nessa sexta-feira, queria curtir os últimos horários de sol, vendo os transeuntes a retornar do trabalho. Gostava de ver/sentir os movimentos da cidade na algazarra infernal de fim de expediente. No primeiro bar que encontrou mais ou menos vazio, ele entrou, sentou-se e fez o pedido ao garçom.
Os olhos ainda estavam irritados com as luzes da sala de projeção. Lembrou que tinha de consultar o oculista. Não devia adiar mais essa decisão. Quanto ao filme, achara bom. Era um fanático pela sétima arte e sempre sabia escolher os filmes. Gostava de assisti-los desacompanhado, pegando a sessão no início. Atualmente, ficava chateado e nervoso com as pessoas que iam às salas de projeção. “Uns bárbaros! Devia existir uma lei para impedir essa corja de entrar nos cinemas. Puta merda! Se querem fazer algazarra, por que não ficam na rua e, na pior das hipóteses, na sala de espera?”
A garota vendendo amendoins o interpelou quando ele estava acendendo o cigarro. Com um aceno de mão deu a entender que não queria comprar nada. Nem sequer olhou para ela. A pobreza existente nas ruas fazia com que ele ficasse bastante aborrecido. Por que isso? Como não tinha consigo a solução para um problema assim, melhor deixar a vida seguir o seu curso.
Ao sorver o terceiro gole da cerveja, a garota o interpelou outra vez: “Moço, compra um! Compra?” Ficou chateado. A menina o olhava fixamente. Nem triste, nem alegre, nem coisa nenhuma esse olhar. Não cedeu. Repeliu a oferta com um gesto de enfado. A garota o cutucou no ombro, insistente. “Compra, moço. Compra um só, moço”.
“É teimosa”, pensou. O garçom apareceu e com um safanão espantou a pequena vendedora de amendoins. “Não incomode o rapaz, sua vagabunda!” No olhar da menina o desapontamento. Ele procurou não fitá-la. Desviou a vista para uma minissaia amarela cobrindo/descobrindo um par de coxas roliças transitando do outro lado do bar. Sentiu o perfume da mulher. Dentro de si o excitamento do macho. Ainda escutou a garota pedir, lacrimosa: ‘Por favor, moço. Compra um!”
Começou a recordar as coisas que tinha feito durante o dia. No trabalho a discussão com o chefe do escritório por causa de um pequeno erro na contabilidade, facilmente consertável. A primeira cerveja acabara. Pediu outra e, enquanto esperava, acendeu mais um cigarro. Um pouco distante, a menina dos amendoins continuava seu trabalho junto aos outros ocupantes do bar. Alguns compravam, outros não. Ele viu um homem, aparência acima de sessenta anos, comprar dois sacos e, nos breves instantes em que a menina contava o dinheiro recebido, ele ficava bolinando, com os dedos se infiltrando por baixo da saia puída e curta. Ela não ligava. Demorava na contagem do dinheiro. O homem falou qualquer coisa ao pé de seu ouvido. Ela balançou a cabeça negativamente. Ele trancou a cara e, em um gesto estúpido, a empurrou para longe.
O garçom trouxe a segunda cerveja e encheu o copo. “O senhor viu a coisa?”, perguntou baixinho. “Ela é assim mesmo, sabe? Tem apenas 13 anos, mas entende muito bem o que esses tarados querem”. Ele olhou o garçom sem sorrir e este, ao ver que seu palpite não tinha agradado ao freguês, também fechou a cara e foi atender a outro cliente. Voltando o olhar para a direita viu a minissaia amarela sobre as coxas roliças. Levantou a vista e seus olhos encontraram a fisionomia cansada de uma prostituta bebendo com um velhote. Tentou criar para si próprio uma digressão filosófica sobre a vida e viu que em um ambiente assim isso não era possível. Deu uma longa tragada no cigarro e depois bebeu um grande gole de cerveja.
“Compra um saquinho, moço?..” A menina estava outra vez a seu lado, aproveitando que o garçom atendia na outra extremidade do bar. Ele olhou para ela. “Compra, moço?” No sorriso alguma coisa indefinida e implícita tentava fazer com que ele se imiscuísse no mistério. Olhou mais detidamente para ela. O vestidinho - curto e roto - cobria um corpinho já bem torneado de menina-moça. Os dois seios pequenos com os mamilos grossos apontando, endurecidos, sob o tecido barato. Ela marcava seu olhar como acreditando que agora ia fazer negócio. Pegou dois saquinhos de amendoins e colocou sobre a mesa. “Depois eu volto pra pegar o dinheiro”. Escapuliu, logo em seguida, ao ver o garçom se aproximando.
“Saia daqui! Já falei para não incomodar o rapaz!” Ele fez um gesto para o garçom. “Não faz mal. Ela não está incomodando. Deixa...” O homem olhou para ele. Virou o rosto mostrando seu péssimo humor, para depois voltar a olhá-lo de novo. Sorriu irônico como a querer dizer que compreendia. “Sei... Sei... Tá certo”.
“Mas que diabo esse filho da puta está imaginando?” Será que me acha igual aos outros? Esse mundo é um inferno. Não tem jeito. Tudo na base da safadeza. Merda!” Pensou em sair dali. Bastava pagar a conta. A cidade tem muitos bares e ele não precisava se preocupar em ficar nesse. Ia pedir a despesa, quando a menina apareceu outra vez. “Vai comprar, não vai, moço?”Ele resolveu satisfazê-la. Colocou a mão no bolso, retirou a carteira e procurou ver se no meio de todas aquelas notas de elevado valor tinha algum trocado. Sentiu a carne macia de uma das coxas da menina roçando no tecido de sua calça jeans. O bico de um dos seios dela se apertando contra seu ombro. “O moço é bonito. Vai comprar, não vai?”Olhou para ela bem dentro dos olhos. Estava quase colada nele. Sentiu como ela pressionava o ventre contra seu joelho. Olhou para os lados. Ninguém estava a observá-lo. Nem o garçom por perto. A garota sorria abertamente.
Entregou o dinheiro em moedas. Ela as pegou e começou a contá-las. O vestido curto cobrindo os joelhos dele. Uma saliva quente em sua boca. Libido a se excitar. Deixou os dedos deslizarem pela carne macia da coxa direita dela. Subiu com eles até alcançar carne úmida. Completamente eriçado de desejo começou a acariciar suavemente a pele macia por baixo da saia, entre as coxas. Sentiu o sexo dela umedecido a se retrair e depois deixar que seus dedos seguissem adiante. “O moço também quer isso? Quer também?” A voz tinha saído baixinha, bem no pé do seu ouvido. Retirou a mão. Olhou outra vez em volta. Com a chegada da noite e as poucas luzes iluminando o bar, ninguém estava observando. “Será mesmo que não viram nada?”, se inquiriu, temeroso.
“Moço, vou até aquela praça. Você vai?” Ela disse isso muito séria. Ele a observou. Os olhos dela nos dele mostravam um interesse fora do comum. Um sorriso. “Prometo que vai ser bom”. Quase um sussurro o convite. Ficou observando a menina se afastar. Olhou para os dedos de sua mão direita, ainda úmidos da reentrância dela. Levou os dedos ao nariz e cheirou devagar, um por um. O odor suave da ninfeta envolveu seus sentidos de homem adulto. “Porra! Posso fazer isso? Posso mesmo fazer isso?”
Como ele podia responder a sim mesmo? Resolveu sair daquele lugar. O que tinha a fazer ali? Principalmente, agora, vitimado por essa febre ardente, a roer suas entranhas. “Puta merda! É cada uma que me aparece!” Chamou o garçom e pagou a despesa. A mulher de minissaia amarela ainda estava sentada junto ao velhote. Ele agarrava sua bochecha e a lambuzava de beijos e lambidas. Pôde ver a dentadura postiça da mulher caindo dentro do copo de cerveja. Risadas obscenas depois disso.
Saiu caminhando pela avenida. Sua carne estava como a queimar em brasas. A cabeça latejando vítima de um desejo infernal. Tentou por todos os meios possíveis viajar o pensamento no filme a que tinha assistido. Conseguiu apenas tornar mais latente o desejo.
Quando menos esperava, se viu na praça que a menina dos amendoins indicara. Na penumbra de início da noite pôde ver a garota encostada num dos pés de flamboyant, o saco de amendoins no chão de terra. Ela sorria para ele. Sorriu também. Aproximou-se. Sentou a seu lado. A pequenina mão dela deslizou para dentro de sua calça. Os dedos dele começaram a acariciar os pequenos seios. 
De repente, o seguraram por trás. Uma navalha encostada firmemente em seu pescoço. Três meninos começaram a esvaziar os seus bolsos. Jogaram ele no chão e o obrigaram a ficar deitado. “No bolso de trás! No bolso de trás!”, escutou a garota falar rápido. Tentou reagir contra seus pequenos captores. Sentiu o fio afiado da navalha rasgando sua garganta. Depois, entre as costelas. Arregalou os olhos ao ver a menina dos amendoins levantando contra ele algo parecido com um cano de ferro. A pancada na cabeça não trouxe, como ele imaginou na ocasião, uma dor muito lancinante. Foi mais como se estivesse mergulhando em um precipício sem fundo. Uma luz. Muitas luzes. Depois, a escuridão.

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