Sétimo
capítulo do livro homônimo lançado no ano de 2012 – Agraciado com Menção
Honrosa pela Academia Pernambucana de Letras (APL) – Prêmio Vânia Souto
Carvalho (2011)
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“Carnaval, Carnaval, / Deixei a dor em casa me esperando / E pulei e
brinquei / Vestido de rei / Quarta-feira sempre desce o pano”. Naquele
domingo, 4 de março de 1962, o Recife se
achava envolto no turbilhão do reinado de Momo. As ruas e avenidas da cidade,
devidamente ornamentadas, explodiam em frevo, samba, maracatu, confetes e
serpentinas. A alegria popular contagiava. As mesas da calçada do Bar Savoy, do
Brahma Chopp, do Bar Cristal, estavam todas ocupadas pelos foliões. A cerveja
rolava solta bem como as doses da cachaça Pitú, Rum Merino e Rum Montilla
(bebidas da moda), acompanhados por Coca-cola e gelo, com limões cortados
dentro dos copos. As mulheres, fagueiras e lépidas buscavam os olhares dos
homens. Muitas moças, vigiadas pelos pais, usando todo tipo de fantasia, faziam
gestos sensuais e prometedores em direção aos rapazes mais jovens.
“Se estou ficando com a cabeça branca / Não é velhice, não senhor / É
muito talco dos saudosos carnavais / Jogado em meus cabelos pelas mãos do meu
amor”. O frevo-canção vindo dos alto-falantes colocados estrategicamente
nos postes da Rua Nova e Avenida Guararapes alcançava os ouvidos dos
transeuntes. Senhores fantasiados de marinheiros. Outros de piratas. As
mulheres da vida bem maquiadas se misturavam com o restante da população
feminina, mas eram facilmente reconhecidas pelos machos como sendo damas de
fácil conquista.
Vindos da Praça Joaquim Nabuco,
tomando a direção da Rua Floriano Peixoto, passando pela Casa de Detenção,
Praça Barão de Mauá, Rua do Gasômetro, e retornando pela Rua da Concórdia, até
alcançar outra vez a praça Joaquim Nabuco, centenas de carros, capotas
arriadas, jipes, caminhões devidamente ornamentados, repletos de foliões
fantasiados ou não, faziam o corso. Sempre que estacionavam ocorriam batalhas
de lança-perfume, serpentinas, confetes e dava-se início a inúmeros flertes
entre ambos os sexos. Tudo em um redemoinho constante, as calçadas repletas de
figurantes passageiros, turistas, habitantes, alguns a dançar o frevo ao som
que escapava dos alto-falantes.
Na Praça da Independência, um
grande palco tinha sido montado, onde os recifenses desafiavam a lei da
gravidade, sob os acordes dos frevos de rua. Em uma mesa, um tanto distante do
palco, um homem magro de nariz adunco, todo vestido de negro, observava as
pessoas. De vez em quando, punha seu olhar em alguém, como se buscando talentos
ignorados. Gostava mais de olhar para aqueles que discutiam por qualquer coisa.
Ver os gestos sutis das violências que se desenhavam, tanto nos olhos como na
linguagem corporal dos foliões. No entanto, sabia muito bem que nessa área nada
iria acontecer de especial para o que tinha em mente.
Seus olhos de repente pousaram em alguém. Um imenso e
forte rapaz começou a chamar a sua atenção. Ele fumava e bebia comedidamente e
estava acompanhado por duas mulheres, que o homem de nariz adunco sabia serem
prostitutas da Rua da Praia. Ao lado do rapaz, um homem baixo, moreno e de
rosto bexiguento. Reconheceu-o num relance como um dos receptadores de objetos
roubados que atuava por todo o bairro de São José. Sorriu. Quando pensava que
nada iria acontecer, as coisas começavam a criar raízes. Resolveu esperar.
Colocou
seus olhos de viés no rapaz e notou que este, além de grande e forte, possuía
um determinado sentido de autoridade. Algo como um poder vindo de sua força
física. Devia ter quase dois metros de altura. “Muito bom! Muito bom!” Prestando atenção na conversa descobriu que
eles pretendiam aproveitar a noite na sede do bloco carnavalesco Batutas de São José. Viu que as mulheres
estavam apressadas. O homem magro de nariz adunco pagou a bebida que estava
sorvendo, acendeu um cigarro e saiu a caminhar em direção à sede do Batutas, com a certeza de que aquele
grupo ia terminar a noitada carnavalesca nesse local. Não tinha ainda plano
algum. Sabia, porém, que de um momento para outro conseguiria esboçá-lo.
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