quarta-feira, 3 de julho de 2019

A VITÓRIA DA FICÇÃO – Raimundo Carrero

Prefácio do romance “A Última Dama da Noite” lançado no ano de 2002
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Rafael Rocha é um desses escritores que, sinceramente, acreditam na vitória da ficção escrita, num momento em que a Humanidade está preocupada apenas com o visual. Não é sem motivo que Ítalo Calvino chamou o final do Século XX de Civilização da Imagem. Daí a crença de que estamos assistindo a morte do romance. A morte do livro. Parece, portanto, uma extraordinária contradição dizer que um escritor acredita na vitória da palavra. Da palavra escrita. Mas sei que é preciso destacar este aspecto em Rafael Rocha, porque ele trabalha com uma sinceridade de quem vai chegar ao paraíso. Uma sinceridade comovente. Que alegra e envaidece.
Agora que me coloco diante deste romance, onde os personagens são possuídos de uma maravilhosa vontade de viver e de lutar, tento destacar esta força de um escritor que cria com facilidade, com habilidade, com artesanato. É certo que Rafael não é – rigorosamente - um autor estratégico, no dizer de Antônio Cândido. Mesmo assim, circula com determinação pelos labirintos de uma arte que se torna cada vez mais difícil. Escrever um romance, hoje, exige qualidades que vão além daquelas consideradas tradicionais: leveza no contar e habilidade no uso das palavras. Tudo isso, agora, é pouco. É muito pouco. Pede-se muito mais.
Com a habilidade natural de quem conhece os segredos narrativos, Rafael estabelece um plano mínimo de trabalho e faz caminhar por ali os personagens e os fios ficcionais, de forma que o leitor pode acompanhar a força do criador, com alegria e satisfação. O autor sabe o que está fazendo e que caminhos perseguir. Esta é a verdadeira vitória da ficção.
Este trabalho mostra a determinação de alguém que sabe que nesta civilização da imagem, as palavras se unem para conquistar maiores espaços no amplo campo literário pernambucano e recifense. Rafael mais do que se pode dizer, investe na literatura com uma coragem invulgar. Desconhece dificuldades, caminha por todos os lugares, inventa e parece não cansar. Suas histórias vão sendo elaboradas com habilidade e jeito, sentindo o calor da investigação e o vigor da espécie humana cheia de qualidades e de defeitos.
Neste A Última Dama da Noite, Rafael revela qualidades de ficcionista através do mundo áspero e cruel de Maria Rosa, punida, sempre punida pelos homens e pelo destino. Castigada, maltratada, ofendida. Sem perder jamais a dignidade de mulher possuída, entretanto. Há um conjunto de elementos que formam a força do livro. A narrativa na primeira pessoa, as confissões de Maria Rosa, o diário de Jurandir Farias. As três se interpenetram e se cruzam dando ao texto uma grande plasticidade que lembra essas histórias de mil e uma noites, sem acabar mais, até pela facilidade como está sendo montada a ficção. Um romance desses - e mais as qualidades do autor - só pode ser muito bom.
Dessa forma, espero que todos possam ter uma leitura agradável, sobretudo porque este é um escritor que tem publicado muito pouco e que é, basicamente, reconhecido pelos seus amigos. Agora, conquista uma maior gama de leitores que permanecerão fiéis, acredito, por causa de suas imensas qualidades.

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

   Recife, setembro de 2002

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