Prefácio do livro “Olhos Abertos para a Morte” de
Rafael Rocha – Lançado no ano de 2012 – Livro agraciado com Menção Honrosa,
prêmio Vânia Souto Carvalho pela Academia Pernambucana de Letras (APL) em 2011
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Falar em poucas linhas sobre este romance de Rafael
Rocha é um desafio hercúleo, devido às riquezas político-ideológicas, históricas
e sociais em que foi concebida esta ficção. Uma ficção mesclada com fatos
históricos dramáticos e trágicos descritos um pouco antes, em plena ditadura
militar e em alguns anos posteriores, tendo como cenário geográfico principal,
o Recife e algumas cidades circunvizinhas, devido a situações singulares, mas
não menos importantes e interligadas aos acontecimentos da trama. Podemos
arriscar e afirmar que Olhos Abertos
para a Morte, de Rafael Rocha
– o que não gostamos muito de enquadra e rotular – tem características do
Realismo e do modernismo.
O personagem principal – o capitão Fernando Clemens –
é concebido com uma unidade de personalidade e caráter tão imutável, que lembra
Carlitos, de Chaplin, no período dos filmes mudos, onde o personagem era sempre
o mesmo, as circunstâncias e peripécias é que variavam. Claro que são
personagens diametralmente opostos. Carlitos provocava o riso, devido ao
ridículo, à pobreza e ao patético do personagem, mas a intenção profunda de
Chaplin era, antes de tudo, mostrar um ser humano frágil, mas que conseguia
burlar o sistema.
Como expressa muito bem Evaldo Coutinho na sua Imagem Autônoma ou Teoria do Cinema,
Carlitos nesse período tinha uma carga ontológica, exatamente por manter a sua
coerência de ser e não mudar nunca o seu modo de ser. Enquanto aqui, Fernando
Clemens representa e simboliza o poder dominador e repressor para salvaguardar
o sistema contra toda e qualquer ameaça socialista e/ou comunista. Há, também,
uma unidade ontológica e tanatológica latente no protagonista. Ele, para o
mundo, estava morto. No entanto, ele, o protagonista para ele mesmo, na visão
do autor, que constrói todo o enredo, a partir da ótica de Fernando Clemens,
não estava propriamente morto, mas tinha sofrido um ataque cataléptico que o deixou
totalmente paralisado e sem batimentos cardíacos.
Um único fato curioso, intrigante e muito tênue
interligava-o existencialmente a este mundo, ele continuava com seus olhos
abertos, apesar de todas as tentativas de quererem fechá-los. Assim, dentro do
caixão, o autor desenvolve todo o enredo do seu torturador, a partir da
subjetividade deste, dentro de um estilo de flash
backs. Portanto, o torturador, imóvel, revive a sua existência, desde a
infância à fase adulta. E é aqui também que vamos encontrar outras diferenças
ontológicas quanto ao personagem Carlitos. A infância de Fernando Clemens é
bastante diferente da fase adulta, por um aspecto. Naquela fase, Clemens ainda
não era torturador, mas recebia uma educação militarista espartana e extremista
de um pai também militar e obcecado. Clemens era um agente passivo que estava
sendo moldado para ser um soldado intrépido e imutável, tanto para as suas
ações futuras, como para os valores morais, éticos, religiosos e
político-ideológicos.
Na fase seguinte, quando se torna um soldado
propriamente dito e agente preparado para ser um perseguidor, torturador e
assassino de muitos presos políticos, ele faz jus à toda formação que teve a a
põe em prática. Eis assim, a diferença, e a semelhança pela coerência infalível
deste personagem que não foge ao seu destino de ser. Mantém-se fiel até o fim
de sua via, perseguindo os “inimigos” do sistema.
Como todo romance que se preza há envolvimento
amoroso. Até os brutos amam. Fernando Clemens, apesar de ser, psicologicamente,
uma pessoa profundamente conturbada e ter desenvolvido o seu lado mau,
vingativo e perverso e um soldado espartano manietado do e para o sistema, teve
dois amores. Primeiro, Vera Lúcia. Um amor de infância e de colégio, mas que
depois foi reprimido por razões estratégico-militares. E, um segundo, com
Expedita, mais afeita aos seus propósitos e pertencente a uma casta militar,
pois era filha de um influente general. Um amor consolidado, baseado na
tradição patriarcal da submissão feminina e, de certo modo, ingênuo por parte
da consorte, até o dia em que, por acaso, descobre e lê o Diário de Guerra do seu, até então, “herói”.
Este
Olhos Abertos para a Morte é
um romance que instiga a curiosidade do leitor, pois quando se começa a ler não
se tem vontade de parar, mas de chegar logo ao seu desfecho final. É um romance
que começa de um fim incógnito e que precisava ser recheado com a história do
protagonista. O suspense é saber o resultado que este personagem terá frente ao
seu ataque cataléptico.
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