quarta-feira, 3 de julho de 2019

DESAFIO HERCÚLEO – Genésio Linhares

Prefácio do livro “Olhos Abertos para a Morte” de Rafael Rocha – Lançado no ano de 2012 – Livro agraciado com Menção Honrosa, prêmio Vânia Souto Carvalho pela Academia Pernambucana de Letras (APL) em 2011
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Falar em poucas linhas sobre este romance de Rafael Rocha é um desafio hercúleo, devido às riquezas político-ideológicas, históricas e sociais em que foi concebida esta ficção. Uma ficção mesclada com fatos históricos dramáticos e trágicos descritos um pouco antes, em plena ditadura militar e em alguns anos posteriores, tendo como cenário geográfico principal, o Recife e algumas cidades circunvizinhas, devido a situações singulares, mas não menos importantes e interligadas aos acontecimentos da trama. Podemos arriscar e afirmar que Olhos Abertos para a Morte, de Rafael Rocha – o que não gostamos muito de enquadra e rotular – tem características do Realismo e do modernismo.
O personagem principal – o capitão Fernando Clemens – é concebido com uma unidade de personalidade e caráter tão imutável, que lembra Carlitos, de Chaplin, no período dos filmes mudos, onde o personagem era sempre o mesmo, as circunstâncias e peripécias é que variavam. Claro que são personagens diametralmente opostos. Carlitos provocava o riso, devido ao ridículo, à pobreza e ao patético do personagem, mas a intenção profunda de Chaplin era, antes de tudo, mostrar um ser humano frágil, mas que conseguia burlar o sistema.
Como expressa muito bem Evaldo Coutinho na sua Imagem Autônoma ou Teoria do Cinema, Carlitos nesse período tinha uma carga ontológica, exatamente por manter a sua coerência de ser e não mudar nunca o seu modo de ser. Enquanto aqui, Fernando Clemens representa e simboliza o poder dominador e repressor para salvaguardar o sistema contra toda e qualquer ameaça socialista e/ou comunista. Há, também, uma unidade ontológica e tanatológica latente no protagonista. Ele, para o mundo, estava morto. No entanto, ele, o protagonista para ele mesmo, na visão do autor, que constrói todo o enredo, a partir da ótica de Fernando Clemens, não estava propriamente morto, mas tinha sofrido um ataque cataléptico que o deixou totalmente paralisado e sem batimentos cardíacos.
Um único fato curioso, intrigante e muito tênue interligava-o existencialmente a este mundo, ele continuava com seus olhos abertos, apesar de todas as tentativas de quererem fechá-los. Assim, dentro do caixão, o autor desenvolve todo o enredo do seu torturador, a partir da subjetividade deste, dentro de um estilo de flash backs. Portanto, o torturador, imóvel, revive a sua existência, desde a infância à fase adulta. E é aqui também que vamos encontrar outras diferenças ontológicas quanto ao personagem Carlitos. A infância de Fernando Clemens é bastante diferente da fase adulta, por um aspecto. Naquela fase, Clemens ainda não era torturador, mas recebia uma educação militarista espartana e extremista de um pai também militar e obcecado. Clemens era um agente passivo que estava sendo moldado para ser um soldado intrépido e imutável, tanto para as suas ações futuras, como para os valores morais, éticos, religiosos e político-ideológicos.
Na fase seguinte, quando se torna um soldado propriamente dito e agente preparado para ser um perseguidor, torturador e assassino de muitos presos políticos, ele faz jus à toda formação que teve a a põe em prática. Eis assim, a diferença, e a semelhança pela coerência infalível deste personagem que não foge ao seu destino de ser. Mantém-se fiel até o fim de sua via, perseguindo os “inimigos” do sistema.
Como todo romance que se preza há envolvimento amoroso. Até os brutos amam. Fernando Clemens, apesar de ser, psicologicamente, uma pessoa profundamente conturbada e ter desenvolvido o seu lado mau, vingativo e perverso e um soldado espartano manietado do e para o sistema, teve dois amores. Primeiro, Vera Lúcia. Um amor de infância e de colégio, mas que depois foi reprimido por razões estratégico-militares. E, um segundo, com Expedita, mais afeita aos seus propósitos e pertencente a uma casta militar, pois era filha de um influente general. Um amor consolidado, baseado na tradição patriarcal da submissão feminina e, de certo modo, ingênuo por parte da consorte, até o dia em que, por acaso, descobre e lê o Diário de Guerra do seu, até então, “herói”. 
Este Olhos Abertos para a Morte é um romance que instiga a curiosidade do leitor, pois quando se começa a ler não se tem vontade de parar, mas de chegar logo ao seu desfecho final. É um romance que começa de um fim incógnito e que precisava ser recheado com a história do protagonista. O suspense é saber o resultado que este personagem terá frente ao seu ataque cataléptico.

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