sexta-feira, 26 de julho de 2019

ELEFANTES BRANCOS MATAM MARIPOSAS (I) – Rafael Rocha


Do livro “Contos Delirantes com Versos em Bolero” – 2017
...........................
Joel abriu a gaveta da escrivaninha e dela retirou uma caixa escura. Após abrir a caixa com uma chave de prata apareceram aos seus olhos uma pistola Derringer e duas balas.  Colocou tudo em cima da escrivaninha e, fascinado, ficou a olhar o material.
Levantou o corpo da cadeira em que estava e começou a caminhar pelo aposento, indo até a janela, de onde olhou para a rua. O dia começava a nascer.
- É questão de pouco tempo mesmo? Mas quanto tempo?
- Seis meses. Se formos otimistas, talvez um ano, no máximo.
- Quer dizer que nada mais adianta?
- Gostaria de poder dizer a você que a ciência pode reverter o seu problema. Mas nem isso...
- Tudo bem. Entendi. Tenho de aceitar o fato.
- Infelizmente, meu amigo. Infelizmente...
Retornou à escrivaninha e segurou a pequena arma. Pegou as balas. Carregou a arma. Colocou-a sobre a escrivaninha e ficou a olhá-la.
A cabeça girava e múltiplos pensamentos tentavam se aglutinar em um só. Não conseguia nem mesmo saber o que estava a pensar.
- Tudo começou quando dei pra sonhar com elefantes brancos. Mas para que sonhar com elefantes brancos, doutor?
- Um fato incoerente. Confesso que é esquisito mesmo. Elefantes brancos não têm nada a ver com um câncer incurável, meu amigo.
- E eles resolviam caminhar pelo meu quarto e me levavam a perder o sono. Mas eu estava dormindo mesmo e sonhando com eles. Meu terapeuta disse que eu necessitava pensar no que tinha construído durante a vida. E mergulhar mais fundo nas minhas digressões e nos meus comportamentos antigos. E no fim com exames mais detalhados ganhei este câncer e esse seu diagnóstico mortal.
- Bom, meu caro, eu já disse tudo que você precisava saber. Mas eu te garanto que elefantes brancos não têm nada a ver com a doença. São simples alucinações cerebrais.
Segurou a pistola Derringer. Sopesou-a com a mão direita. Depois com a esquerda. Apontou a arma para a parede defronte...
- Não vou ficar sofrendo dores numa cama de hospital por causa dessa doença. Vou tomar outra atitude.
- Posso receitar algum remédio forte contra as dores, quando elas aparecerem.
- Não será preciso. Já tenho o remédio certo.
- Então, meu amigo. Terminamos a consulta. Você já sabe de tudo.
De repente, a forte luz do sol entrou pela janela e o homem na cama acordou assustado.
De sua pele deslizavam grossas gotas de suor frio. Olhou para o outro lado da cama e descobriu que a mulher já tinha acordado. Levantou-se, saiu da cama, rumou para o banheiro. Tomou banho, escovou os dentes e de pijama encaminhou o corpo para a cozinha.
- Acordou tarde hoje, querido. Já são dez da manhã. Mas hoje é sábado. Não tem trabalho.
- Tive um sonho estranho.
- Vai contar qual foi o sonho?
- Sonhei com dois elefantes brancos, e depois um médico disse que eu estava com câncer terminal e que só tinha seis meses ou um ano de vida. E comecei a preparar o meu suicídio.
- Sonho estranho! Mas sonho é ilusão! Esqueça e vamos tomar café! Deve ter sido efeito da vodca que você bebeu ontem na festa. Isso acontece. Você tem é muita saúde. E isso de elefantes brancos... Uau! Na verdade não é toda vez que alguém sonha com elefantes brancos.
- Realmente, meu bem. Realmente...
- Eu sonhei com milhares de mariposas morrendo por causa de uma luz branca e ofuscante. Não é um sonho esquisito também?
- Muito esquisito! Muito!
- E elas foram aos poucos morrendo nessa luz. Eu pedia a deus que ele não deixasse as coitadinhas morrerem, mas essa luz ofuscante foi queimando elas aos poucos.
- E então todas elas sumiram, não foi?
- Exatamente. Elas sumiram. Mas como você descobriu? Eu não contei essa parte. 
- Foi exatamente isso que os elefantes brancos falaram para mim no meu sonho. Disseram que iriam matar todas as mariposas com suas luzes ofuscantes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário