Terceiro capítulo
do romance lançado no ano de 2002
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A notícia
alcançou a consciência do padre Ferrari, trazendo à sua mente a lembrança de um
passado que ele gostaria de ver esquecido para sempre. Saiu do confessionário e
se dirigiu até um dos bancos da igreja, onde, ajoelhado, começou a rezar.
Severina Amor ficou a observá-lo.
Por sinal,
ela o conhecia muito bem. Já mergulhara e sondara as suas epidermes quando ele
- imberbe seminarista - a procurara no desespero, fugindo das garras e dos
anseios de paixão do viado Hely
D’Anjour, conhecido na área portuária como Roberta Cucu, que sempre tentava contatar jovens rapazes e levá-los a um
dos quartos da boate Chantecler para conhecerem os mistérios e as fantasias
sexuais dos homos.
Severina Amor lembrava sobre como conseguira
espantar aquele frango safado, usando
para isso ferozes artifícios de mulher da vida e seu instinto maternal, mesmo
sem nunca ter gerado um filho.
Ameaçando
furar a barriga do viado com um punhal, Amor levou o jovem Luiz ao seu quarto,
no primeiro andar da casa de número 43 da Rua Vigário Tenório, tomando-o aos
seus cuidados, mostrando-lhe os prazeres normais do sexo e acarinhando-o como
um bebê recém-saído das fraldas e ainda não pronto para enfrentar as
vicissitudes do mundo.
O jovem
seminarista, enviado por D’Anjour a espaços sexuais febris e insinuantes, nunca
imaginara o deslizar em carnes femininas tão diverso do apreciado nas mãos do viado, e se deixou levar muito mais
longe do que permitiam seus limites.
Assim,
esqueceu as sabatinas religiosas e a rígida disciplina do seminário de Olinda,
onde estudava, conhecendo reentrâncias e entrâncias, formas suaves e redondas,
sinuosas e escorregadias, até centenas de astros brilharem no escuro quarto da
pensão, enviando-o para um espaço muito acima daquele das orações a Deus, à
Virgem Maria e ao Crucificado.
Conheceu
Maria Rosa no dia seguinte à noite “pecaminosa”
com Severina Amor.
A mulher
chamou sua atenção por ser extremamente bela e branca, numa brancura
contrastante com seus grandes olhos, onde o azul dardejava sonhos nas paredes
sujas da pensão.
Olhos, com
insinuantes brilhos dos felinos habitantes dos telhados, e com tormentos
interiores tão profundos, que o jovem seminarista achou de bom tom dizer-lhe
quem era e como estava perdido na encruzilhada da vida, sem entender os
sentimentos contraditórios a invadir seus anseios, levando-o ao outro caminho,
onde Lúcifer mandava e desmandava.
– Pecado é num sabê o que é o gosto do mundo, meu fí!... – disse a madame para ele.
Quando o
rapaz se abriu por completo, dizendo que toda sua vida tinha sido entregue a
Deus, pretendendo tornar-se padre, a mulher soltou uma gargalhada com sabor de
glosa, retrucando:
– Deus sabe mermo o que faz. Ora, como sabe! Taí o
resultado... Um futuro padre na casa da madama,
quase perdido na roupinha de seda do frango.
Ora, ora... Deus sabe mermo o que
faz!
– Não estou
entendendo...
– Benzinho,
isto por cá é a zona. Num é a casa da tua mãe ou do teu pai não, visse? É a
zona! Aqui os ômes vêm pra fuder, vadiá, enfiá os dedos e as línguas nas pererecas
da gente e outros vêm inté pra
queimar o fiofó.
– Virgem
santa!...
– Tem tipo
pra tudo nesse cafofo, meu fí! Se
Deus manda um futuro padre por cá, é porque sabe muito bem o que tá fazendo,
visse? Onde já se viu padre ouvir confissão e perdoá pecado sem sabê o
que é fuder, tomá no cu e chupá perereca como se chupa manga e caju?
– Eu... Bem,
eu...
– Num porcupe a entender. Ele escreve
certo por linha tortas. Ele é Deus,
meu fí!... No futuro... Lá no seu
futuro... Espero que você tenha compreensão e lembre do que aprendeu pras
bandas de cá.
– Será? É um
meio de aprender estranho. É um aprendizado esquisito...
– A gente
aprende a vida nas esquisitices dela merma,
meu fí!... Se as coisas não fosse esquisitas, ôme num nascia da barriga da muié,
saía pelos óios...
O padre
Ferrari ergueu os olhos até o altar-mor e seus lábios balbuciaram uma prece que
dona Biu não assimilou qual pudesse
ser. Depois...
Ele colocou
os olhos nela e ela viu a mansidão de alma em que ele se tinha transformado.
Viu as suas rugas e a dentadura postiça, logo após um sorriso meio torto e
tímido.
A voz do
padre parecia vir de muito longe:
–
Seja feita a vontade de Deus, minha filha. Vamos, então. Vamos preparar as
coisas e encomendar a alma daquela pobre mulher ao Criador.
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