Do livro “Marcos do Tempo” - 2010
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Muitas vezes meu pai ofereceu seu ombro
Para que eu pudesse dizer as minhas
mágoas.
E dezenas de vezes (ah, essas lembranças!)
Deslizou seus dedos pelos meus cabelos
As mãos pela minha pele
Com o orgulho de um vigilante do meu
tempo.
Pelas mãos de meu pai conheci caminhos
Ermos e perigosos e abismais
E escutei seus conselhos para caminhar
Naqueles onde meus pés pudessem sentir a
planície.
Ele conhecia quase a fundo meus defeitos
Tanto os físicos como os do espírito
E muitas vezes pediu sem arrogância
Que eu construísse a vida afavelmente
Buscando entender a besta a viver nos
outros
Mas nunca, nunca mesmo, baixasse a cabeça
Para os opressores e os arrogantes.
“Faça o que eu digo. Nunca o que faço”.
Muitas vezes meu pai fechou seus ouvidos
para mim.
Fechou seus olhos e não quis enxergar
minha vida.
E em quantos momentos (ah, essas
lembranças!)
Aplainou carinhosamente os músculos do meu
cérebro
Em silêncio, em seu constante silêncio,
Como um marceneiro a trabalhar na madeira
bruta.
E era nesses instantes que eu o conhecia
Mais detidamente como o homem mais difícil
Que jamais tinha passado por minha vida.
Conheci os defeitos físicos e os do
espírito do meu pai
Quando meus primeiros cabelos brancos
nasceram
Ao ver que os olhos dele não tinham mais o
brilho da vaidade.
E entendi que para se lapidar a vida
O homem tem de lapidar primeiro a si mesmo
E depois aceitar o tempo em que viveu como
uma dádiva
Entregue por algum espírito errante.
Hoje não mais tenho comigo os ombros do
meu pai
Minhas mágoas preferem dormir na solidão eterna.
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