Conto
inserido no livro ‘O Espelho da Alma Janela” (2009) agraciado pela Academia
Pernambucana de Letras (APL) em 1988, com o Prêmio Leda Carvalho
................................
Depois
de terem feito amor adormeceram.
Ele penetrou
em um sonho onde as mulheres eram todas iguais a ela. Ela mergulhou em um pesadelo
no qual os homens a possuíam como se fosse a única mulher na face do planeta.
Para ela, um pesadelo cheio de dores, pois quando imaginava já se achar perto
do fim, começava outro, e mais outro. Nunca parecia acabar.
Ele sentia o
corpo das outras mulheres como se fosse o dela. E o cheiro de todos esses
corpos era o cheiro dela. As atribuições, os pelos pubianos, as curvas, os
sinais eram todos dela. E não queria sair desse sonho. Todas as mulheres eram
como ela e ele o único homem sobre a terra, a possuí-la, a tê-la para si.
No pesadelo
(ou pesadelos) ela começou a chorar. No sonho (nos sonhos) ele começou a rir.
Na cama, ela rolou de um lado para o outro, aturdida, tentando fugir do
pesadelo. Toda a população de homens do planeta estava procurando tomá-la toda
para si. Ela queria acordar. Ah, como estava sendo difícil acordar!
Ele dormia
com um sorriso nos lábios, deitado de costas, quase sem mover um músculo do
corpo. E era outra ela a beijá-lo na boca. Estava quase acordando quando outra
ela chegava e o levava para o prazer de senti-la completamente sua. Ah, como é
bom dormir assim!
No
pesadelo, de repente, a fisionomia errada. Um rosto de homem que não era ele.
No sonho, de repente, o rosto errado. Um corpo de mulher que não era o dela. As
coisas se transformaram e ele mergulhou em um pesadelo. Não era mais ela. Era
outra. Não possuía a beleza dela. Era apenas uma a mais de tantas conhecidas.
No
pesadelo, quando a fisionomia errada se aproximou, ela sorriu. Conhecia aquela
cara. Não era a dele, e ao mesmo tempo era uma lembrança de todos os carinhos,
carícias atrevidas que ela já conhecera. Desejou mergulhar mais no sonho, porém
as fibras do seu corpo desejavam acordar do torpor provocado pelo pesadelo.
Ele
buscou provocar sua fuga do sono e as fibras de seu corpo provocaram o desejo
dela.
Ambos
rolaram na cama e ficaram frente a frente. Uma das pernas dela passou por cima
do corpo dele. Um dos braços dele envolveu a cintura dela. Saíram devagar do
sono. Olharam-se bem dentro dos olhos. Os lábios a se entreabrir. As bocas a se
unir. Rapidamente, todas as chamas se acenderam e os corpos penetraram um no
outro. E ele era todo dela e ela completamente dele.
Depois
de terem feito amor, acordaram.
Uma
das mãos dela acariciou o rosto dele. Uma das mãos dele acariciou o rosto dela.
Sorriram um para o outro. Que sonho eu tive, disse ele. Também tive um sonho,
disse ela.
–
Um sonho calmo e gostoso é muito bom. Sonhei que você estava vivendo em todas
as mulheres do mundo.
–
Meu sonho foi horrível! Um pesadelo! Estava louca para acordar! Sonhei que eu
era a única mulher no mundo.
–
Na verdade, você é realmente a única mulher do mundo para mim. Não existe
outra.
– Você
estava em todos os homens do mundo. Mas era um pesadelo! Como eu ficava
dolorida ao ser possuída por todos os homens do mundo que eram você!
–
Interessante tudo isso!
–
Um pesadelo não é coisa boa.
–
Como terminou o seu sonho?
–
Um homem diferente apareceu e tentou fazer comigo o que você sempre faz.
–
No meu sonho chegou outra mulher. Também tentou fazer comigo o que você faz.
–
Não gostei disso!
–
Eu também não gostei nada disso.
Ambos
se levantaram e começaram a se vestir. Estavam calados e seus olhos não mais
queriam se encontrar. Tentavam dizer alguma coisa. Mas ela lembrava o outro
homem. Ele recordava a outra mulher.
Já
na rua pareciam separados por uma grande muralha. Ela se perguntava: quem será
a outra? Ele se inquiria: quem será o outro? Quando ela não estava olhando, ele
a olhava de esguelha. Quando ele não estava olhando, ela o olhava de viés. Será
que ele me quer ainda? Será que ela ainda me deseja?
Quando
se despediram estava escrito no livro do destino de cada um deles a criação de
uma nova saudade. Nunca mais iriam se encontrar neste mundo.
Ela
pensava em outro homem.
Ele
pensava em outra mulher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário