Conto
inserido no livro “O Espelho da Alma Janela” (2009) agraciado pela Academia
Pernambucana de Letras (APL) em 1988, com o Prêmio Leda Carvalho. No ano de 1989
este foi um dentre cinco contos do autor premiados pela Fundarpe e publicado no
livro “Novos Ficcionistas Pernambucanos”
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– Agora você
terá de ficar aí sentado, esperando… Mas esperando sem saber o quê. O tempo não
terá tamanho nem poderá ser contado.
– Não
entendo… O que eu fiz foi ao gosto comum, próprio a mim. Não posso fazer o que
penso que posso fazer?
– Sua casa
era pintada de branco. Por que a pintou de vermelho?
– Gosto da
cor vermelha.
–- Só porque
gosta?
– Reflete a
mentalidade buliçosa da alma humana.
– Que sabe
você da alma humana?
– Nada. Você
sabe?
– Por que
matou Leônidas?
– Não matei
Leônidas?
– Consta nos
autos…
– Não matei
Leônidas pelo simples fato de que não sei quem é Leônidas.
– O morto no
quintal da sua casa era Leônidas.
– Não sabia
disso.
– Você o
matou…
– Dei um
tiro em alguém que invadiu minha privacidade.
– O nome
desse alguém era Leônidas.
– Não sabia
disso.
– Devia
saber.
– Quem era
Leônidas?
– O
Supervisor!
– E um
supervisor pode invadir uma propriedade privada?
– O
Supervisor pode tudo!
– Eu também
sou supervisor e nunca tive esse tipo de comportamento.
– Ao que eu
saiba…
– Você
também é supervisor. Também se comporta assim?
– Tudo isso
porque pintou a casa de vermelho…
– Quem é
você?
– Seu advogado.
– Parece-se
mais com um juiz.
– Advogar
uma causa também é julgar. Não sabe disso?
– Eu não
preciso de advogado!
– Por que
matou Leônidas?
– Não matei
Leônidas!
– Por que
pintou sua casa de vermelho?
– Gosto da
cor vermelha!
– Sabe que você vai ficar aí sentado, esperando, esperando
a vida inteira se não tiver boa vontade e contar a história certa?
– Não existe
história. Hoje ninguém espera. O tempo é uma utopia.
– Seu nome é
Álvaro, não é?
– Hum…
– Álvaro da
Silva, não é isso?
– Você quer
saber quantos xarás eu possuo por esse mundo afora?
– Não me
interessa! Que diz em sua defesa?
– Não sabe
como eu me chamo? Será que isso é importante? De que vale o nome de uma pessoa
quando ela é algo comum? Eu sou um homem comum, entendeu? Nasci, cresci e aqui
estou. Eu e a minha vulgaridade. Fiquei adulto e nesse ponto da vida nem sei se
consegui pensar melhor sobre mim mesmo, sobre meu significado. Para que minha
defesa? Se eu sou um homem comum ela também deve ser, acho. Casei com uma
mulher comum e tenho certeza que nossos filhos vão ser pessoas comuns. Sou um
trabalhador comum e quero continuar a sê-lo, apesar de saber os muitos
empecilhos. Além disso…
– Pintou sua
casa de vermelho…
– Isso
também é muito comum. Todos deviam fazer isso…
– E matou
Leônidas. Acha isso comum?
– Raro hoje
em dia é o gesto inesquecível de um beijo. É tão comum matar nem que seja lá
dentro do coração…
– Por que
matou Leônidas?
– Não matei
Leônidas!
– E o homem
morto no quintal de sua casa?
– Era um
invasor!
– Era
Leônidas!
– Não sei
quem é Leônidas!
– O nosso
supervisor!
– Não tenho
supervisor.
– Todos
temos um supervisor.
– Eu não
tenho.
– É
impossível alguém não ter um supervisor.
– Sou um
homem comum.
– Será que
por ser comum não pode ter um supervisor? Os homens comuns quase nunca fazem
coisas corretas na vida e precisam de um supervisor.
– E o
supervisor? Ele faz tudo certinho na vida?
– Ele também
tem o seu próprio supervisor. Ele não é nenhuma raridade de espécime.
– Todos são
vigiados?
– Não é caso
de vigilância. É para que nunca haja erro no comportamento. Você errou…
– Como
assim?...
– Pintou sua
casa de vermelho.
– E daí?
– E matou
Leônidas!
– Não matei
Leônidas!
– Porra!..
Está certo, então. Matou um homem!
– Mentira!
– Seu
Supervisor!
– Não tenho
supervisor!
– Todos temos!
– Que os
supervisores vão à merda!
– Você é um
criminoso! Nossa sociedade não comporta criminosos!
– Vá tomar
no cu!
– Você gosta
de pensar sozinho! Você não deve pensar sozinho!
– Vá se
foder!
– Leônidas
pensava por você e você o matou.
– Foda-se!
Eu sou um homem comum. Tenho prazer de pensar por mim mesmo!
– Grande
coisa!
– Tenho que
pensar sozinho, ora porra! Basta que eu pense por mim mesmo!
– Não deve!
É contra as regras!
– Não
preciso de supervisores!
– Não devia
ter pintado sua casa de vermelho.
– Isso é
problema meu. Gosto da cor vermelha.
– Você vai
ser castigado. Você errou bastante. Você não devia ter morto Leônidas.
– Matei um
marginal! Matei um invasor da minha privacidade. Não conheço Leônidas! Por isso
não matei Leônidas!
– Temo que
nada mais possa fazer por você. Você não quer contar a história certa.
– Não sei
inventar história!
– Pela
última vez: por que pintou a sua casa de vermelho?
– Gosto da
cor vermelha.
– Por que
matou Leônidas? Por que matou o seu Supervisor?
–
Supervisor? O que é isso? Quem é Leônidas?
– Você se
acha livre?
– Sou um
homem!
– Tolo!
Tonto! Otário! Não mais existem homens. Deixe de ser tão irritantemente inimigo
do óbvio. Hoje todos são coisas. Coisas manipuladas. Cada coisa com o seu
supervisor. Cada supervisor é uma coisa e existe a coisa maior que a tudo
supervisiona.
– Mas eu sou
um homem!
– Não é.
Juro que não é. Você não manda em você. Compreenda. Você é uma coisa. Hoje os
homens não podem existir.
– Eu existo!
– Não está
sendo lógico. Mas, pela última vez, por que matou Leônidas?
– Eu sou
humano!
– Por que
matou Leônidas?
– Eu penso
por mim mesmo!
– Não pode!
POR QUE MATOU O SUPERVISOR, SEU FILHO DA PUTA?
– EU SOU
LIVRE!
– Por isso
pintou sua casa de vermelho?
– EU SOU
LIVRE! EU SOU LIVRE! EU SOU LIVRE!
– Guardas!
Guardas! Levem o preso!
– Para onde?
As celas estão cheias!
–
Forno crematório número 8. E andem depressa! Essa coisa pensa que pensa!
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